Folha de S. Paulo


Brasil vai sediar negociação de paz entre Colômbia e guerrilha do ELN

Federico Parra - 10.out.2016/AFP Photo
The head of the delegation of the Colombian government Mauricio Rodriguez (L) and Colombia's left-wing guerrilla National Liberation Army (ELN) delegate Pablo Beltran attend a joint press conference at the Foreign Ministry in Caracas, on October 10, 2016.
Os representantes do governo colombiano, Mauricio Rodriguez (à esq.), e do ELN, Pablo Beltran

O Brasil vai participar e irá sediar ao menos uma rodada das negociações de paz entre o governo colombiano e o ELN (Exército de Libertação Nacional), o principal grupo guerrilheiro ainda em atividade no país vizinho. A participação marca uma mudança drástica na relação entre Brasília e Bogotá.

O processo de paz que culminou no fim do conflito entre governo e os narcoguerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) não teve participação brasileira. Isso porque os governos petistas tinham aversão quase automática às gestões conservadoras colombianas –e consequente simpatia pela posição das Farc, alinhadas ao chavismo da Venezuela.

Isso mudou a partir da saída do PT do governo, com o impeachment de Dilma Rousseff no ano passado.

O Itamaraty e o Ministério da Defesa passaram a estreitar a colaboração com Bogotá, como por exemplo firmando acordo para tentar rastrear as armas depostas pelas Farc e evitar que elas venham para criminosos no Brasil, levando enfim ao convite feito pelo presidente Juan Manuel Santos para que o país participasse das negociações.

Elas prometem ser bem mais complicadas do que aquelas que redundaram na paz com as Farc, um processo de quatro anos encerrado no fim de 2016. O ELN é um grupo menor, com cerca de 2.500 combatentes, só que considerado mais radical ideologicamente do que as Farc, que são bem maiores –têm aproximadamente 8.000 membros.

Ambos os grupos são de inspiração marxista e nasceram em 1964, mas enquanto as Farc eram herdeiras das guerrilhas de origem liberal dos anos 50, o ELN se baseava numa mistura "purista" de revolucionários seguidores do modelo cubano e padres ligados à Teologia da Libertação, o movimento católico latino-americano condenado pelo Vaticano por misturar socialismo e cristianismo.

O ELN se via moralmente superior às Farc, que de resto cresceram se financiando com o tráfico de drogas. Além disso, o grupo é uma organização horizontal, com lideranças pulverizadas, o que dificulta a formação de consensos. As Farc seguem o modelo militar clássico de hierarquia rígida, então negociar com a liderança resolvia a questão pelo todo.

No processo de paz com as Farc, participaram Cuba e Noruega como garantidores externos. Agora, o grupo foi acrescido de Brasil, Equador, Chile e Venezuela. O processo começou oficialmente em fevereiro, com o estabelecimento de mesas de negociação em Quito, no Equador.

No Brasil, as conversas deverão ser em maio. Elas devem ocorrer ou em Brasília, na Granja do Torto, ou em Manaus. Um grupo organizado pela Presidência reúne Itamaraty e Defesa, que cuidará da logística -os guerrilheiros querem que todas as reuniões sejam acompanhadas pela imprensa, por exemplo.

É no conteúdo do acordo que residem as maiores dificuldades. O documento prévio em análise prevê pontos polêmicos, como garantias de imunidade ao ELN como entidade política e anistia para aqueles que cometeram atos de terror ao longo das cinco décadas de insurgência.

Mesmo que aprovados em acordo, não há garantia que eles passem pelo crivo do referendo que ocorrerá para ratificá-lo ou não.

Em outubro de 2016, um referendo rejeitou por margem mínima a paz com as Farc, que teve de ser reescrita em termos menos generosos pelo Congresso, após campanha liderada pelo senador conservador Álvaro Uribe.

Presidente que enfraqueceu militarmente as Farc entre 2002 e 2010, reduzindo seu efetivo pela metade, o linha-dura Uribe rompeu com seu ex-ministro da Defesa Santos e denunciou o acordo como leniente com os insurgentes.


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