Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Aprovação de reeleição acordou fantasmas da ditadura no Paraguai

A aprovação da emenda da reeleição por um grupo de 25 senadores na última sexta-feira (31) foi apenas mais um episódio do movimento liderado pelos apoiadores do presidente Horacio Cartes para tentar abrir portas para um novo mandato do partido Colorado no Paraguai, a partir de 2018.

Uma tentativa já havia sido feita, por meio da reunião de assinaturas pedindo a inclusão da emenda, no segundo semestre de 2016. Depois, descobriu-se que muitas delas eram fraudulentas, e a Justiça anulou o pedido.

Em suas falas públicas, tanto Cartes quanto seus funcionários de alto escalão falam abertamente sobre a conveniência de dar continuidade à gestão "para manter as reformas que estamos fazendo em curso", como disse à Folha o ministro da Fazenda, Santiago Peña.

Como argumento, usam os bons números da economia, que cresceu entre 3% e 4% nos últimos anos, enquanto os demais países da região não passam de 2% –isso entre os mais exitosos.

Magnata da área do tabaco e do sistema bancário, Cartes implementou uma gestão empresarial ao governo desde que assumiu, em 2013. Colocou funcionários de suas empresas em ministérios e outros cargos públicos e investiu na redução de taxas e na abertura comercial do país.

A estratégia rendeu frutos objetivos na macroeconomia, levando Cartes a ser o primeiro paraguaio a discursar no Fórum de Davos, como exemplo do "fenômeno" econômico de seu país. Internamente, porém, sua imagem vem se desgastando diante da classe média, que o vê como autoritário, e dos menos favorecidos, a quem faltam programas de saúde e educação pública mais amplos e de auxílio social.

Em fevereiro último, entrevistei em Assunção o ministro da Fazenda, Santiago Peña, um dos defensores do discurso da continuidade. Aos 38 e talvez com pouca memória sobre o que foram os anos da ditadura Alfredo Stroessner (1954-1989), Peña disse à Folha: "Antes era possível fazer planos a longo prazo, porque o governo não mudava. Agora, que há eleições de 5 em 5 anos, pensa-se muito a curto prazo, em ciclos, e assim é mais difícil fazer mudanças estruturais", explicou, na ocasião. Não lhe ocorreu mencionar, por exemplo, que durante o período Stroessner 459 pessoas desapareceram e mais de 18 mil foram torturadas, segundo a Comissão da Verdade local.

O episódio de sexta (31), que levou manifestantes a invadirem e queimarem parte do edifício do Congresso, seguido de uma repressão violenta que terminou com um morto –segundo testemunhas, por parte da polícia–, acordou justamente esse fantasma do passado paraguaio –o da ditadura e o da violência de Estado.

Entre outros gritos de guerra, os que protestavam no Congresso e nas ruas de Assunção na noite de sexta repetiam: "Ditadura Nunca Mais" e "Cartes Violador da Lei".

Não é à toa que, quando estavam formulando a Constituição de 1992, os legisladores fizeram questão de incluir uma cláusula que não permitisse mais as reeleições no país. Queriam evitar a centralização do poder num só partido, o que poderia abrir espaço para regimes ditatoriais. É preciso lembrar que o partido Colorado esteve no poder nada menos do que por seis décadas.

O obstáculo diante dos colorados em sua missão pela reeleição, porém, não são apenas a oposição parlamentar e a população que compareceu às ruas.

Há outra pedra no sapato dos partidários de Cartes, a intenção do ex-presidente Fernando Lugo –que foi deposto em 2012– de voltar ao poder pela via democrática.

Por ora, os deputados colorados e os da Frente Guasú –partido do esquerdista Lugo– estão unidos na tentativa de aprovar a emenda, que ainda deve passar pela Câmara dos Deputados antes de ser implementada.

Porém, os colorados já armam estratégias para afastar Lugo da possibilidade de candidatar-se. Afinal, segundo pesquisa recente, se as eleições fossem hoje, o ex-bispo e atual senador teria 52,6% das intenções de voto.

A estratégia dos colorados é, após a possível aprovação da emenda, tentar afastar Lugo da contenda, levando ao Congresso outro projeto de emenda, que barre a possibilidade de ex-presidentes afastados por procedimento legislativo de concorrerem novamente.

A eleição de 2018 no Paraguai ainda está longe, mas a campanha já começou, marcada por uma intensa e já violenta contenda nas ruas e no parlamento.


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