Folha de S. Paulo


Sugerida por políticos, quebra de criptografia pode pôr usuário em risco

Danilo Verpa/Folhapress

Depois do ataque da semana passada à sede do Parlamento britânico, políticos britânicos estão pedindo que o WhatsApp e outros aplicativos de mensagens possibilitem o acesso da polícia e forças de segurança para monitorar mensagens trocadas entre terroristas. Mas especialistas em tecnologia argumentam que abrir uma "porta dos fundos" aos populares serviços de mensagens que usam encriptação de ponta a ponta encerra vários problemas.

Como funciona o WhatsApp e o que é a encriptação de ponta a ponta? O WhatsApp é o aplicativo de troca de mensagens mais popular do mundo, com mais de 1 bilhão de usuários. Um ano atrás, a empresa lançou a encriptação de ponta a ponta para seus usuários em todos os aparelhos, incluindo iPhones e smartphones Android, Windows e BlackBerry.

Isso significa que apenas o remetente e o destinatário de uma mensagem ou ligação pelo WhatsApp podem acessar os textos, fotos, vídeos ou mensagens de voz. Nem o próprio WhatsApp tem acesso a esse conteúdo.

Cibercriminosos, hackers, empresas de telefonia, provedores de internet ou espiões governamentais não podem acessar e ler o conteúdo das mensagens.

O que o governo britânico quer? Amber Rudd, a secretária do Interior britânica, pediu que a polícia e as agências de inteligência possam ter acesso a mensagens de WhatsApp, para elucidar e evitar crimes e atos de terrorismo.

Rudd pretende reunir-se com executivos da empresa de tecnologia nesta semana para pressioná-los a permitir esse acesso. Ela não excluiu a possibilidade de medidas legislativas que obrigariam as empresas de tecnologia a fazer a vontade do governo.

Basicamente, o que a secretária está pedindo é uma "porta dos fundos" –um buraco nos métodos de encriptação do WhatsApp–, permitindo que um grupo seleto de pessoas sob certas circunstâncias –por exemplo, as autoridades durante uma investigação policial– possam ler as mensagens trocadas entre suspeitos.

Rudd considera "totalmente inaceitável" que o governo não possa ler mensagens do WhatsApp. "Precisamos garantir que organizações como o WhatsApp, e existem muitas semelhantes, não criem um espaço secreto em que terroristas possam se comunicar entre eles."

O WhatsApp está resistindo à pressão? Atualmente, o WhatsApp não pode fornecer acesso a essas mensagens. A empresa disse em comunicado que estava "horrorizada" com o ataque em Londres e estava "cooperando com a polícia".

Para dar ao governo o que ele quer, ela teria que criar uma maneira de desencriptar o serviço. Isso significaria que sua garantia de privacidade ponta a ponta deixaria de ser absoluta.

Mas especialistas em segurança concordam que não existe uma "porta dos fundos" que só possa ser utilizada uma vez. Se existe algum método para passar por cima da encriptação, ele coloca todos os usuários do WhatsApp em risco de ter suas mensagens invadidas.

Vários executivos do setor de tecnologia, incluindo Tim Cook, da Apple, e Jan Koum, o executivo-chefe do WhatsApp, avisam que é impossível deixar que algumas pessoas tenham acesso a aparelhos ou mensagens encriptados sem abrir um ponto de entrada para "gente do mal", como hackers ou espiões de outros países.

Koum já declarou no passado que as portas do fundo "colocam nossa liberdade em risco".

Especialistas em segurança concordam que a abertura de uma "porta dos fundos" geraria um precedente perigoso.

"Obrigar empresas a abrir maneiras de acessar serviços encriptados diminuiria a segurança online de milhões de pessoas comuns. Todos nós dependemos da encriptação para podermos nos comunicar, fazer compras e usar o internet banking em segurança", disse Jim Killock, diretor executivo do Open Rights Group.

De que modo isso é semelhante ao que aconteceu com a Apple e o FBI (polícia federal americana)? O software iOS da Apple é totalmente encriptado, como o do WhatsApp, o que significa que ninguém, nem mesmo a Apple, pode acessar quaisquer dados de seu iPhone, incluindo mensagens de texto, fotos, telefonemas e contatos, a não ser que conte com a senha de seu telefone.

Tecnologicamente falando, as duas plataformas têm proteção semelhante contra ciberataques ou grampos.

No final de 2015, um juiz americano ordenou à Apple que ajudasse o FBI na investigação de um massacre na Califórnia em que 14 pessoas foram mortas.

O juiz decidiu que a Apple teria que fornecer "assistência técnica razoável" para penetrar no iPhone 5c do suspeito. Em outras palavras, que a Apple teria que romper sua própria encriptação.

Os dois casos são semelhantes na medida em que governos pediram às empresas que reduzissem as salvaguardas e instalassem uma "porta dos fundos" que não existe hoje.

A Apple se negou a fazer o que o FBI pediu, já que não possuía a capacidade técnica de invadir um iPhone protegido por senha e teria que criá-la. Tim Cook disse: "O governo americano nos pediu algo que não possuímos e que consideramos que é demasiado perigoso criar".

O WhatsApp ainda não opôs resistência pública aos planos de Rudd, mas sua posição em relação a portas do fundo tem sido clara no passado.

Em fevereiro do ano passado, após a carta de Tim Cook sobre essa questão, Koum, o executivo-chefe do Google, Sundar Pichai, e o ex-técnico da NSA Edward Snowden se manifestaram em favor da fabricante do iPhone.

"Sempre admirei Tim Cook por sua posição em relação à privacidade e aos esforços da Apple para proteger os dados dos usuários e concordo com tudo dito em sua carta de hoje. Não podemos permitir que seja criado este precedente perigoso", escreveu Koum em um post no Facebook.

Tradução de CLARA ALLAIN


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