Folha de S. Paulo


Radicalização interna ainda é desafio para governos europeus

Xenófobos comemoraram nos últimos dias a informação, divulgada pelas autoridades britânicas, de que o terrorista de Londres se chamava Khalid Masood. Um imigrante, disseram, e uma prova da necessidade de cimentar muros mais altos.

Mas Khalid Masood havia nascido em Kent, no sudeste da ilha da Grã-Bretanha, e seu nome de berço era Adrian Ajao. Ele morava na região de Birmingham, no oeste da Inglaterra.

Sua radicalização –sobre a qual há ainda poucos detalhes– conta a história cada vez mais comum de extremistas "made in Europe".

A participação de europeus em atentados e sua adesão a grupos terroristas, porém, ainda não chegaram aos discursos políticos ou à opinião pública, que continuam a pensar no inimigo externo, em vez do umbigo.

Um relatório do serviço secreto MI5 estima que metade dos extremistas no Reino Unido nasceu no próprio país. Diversos deles, como Masood, são convertidos ao islã.

Uma das prioridades das autoridades será determinar por que Masood se radicalizou, abraçando uma versão radical da religião islâmica ao ponto de atropelar pedestres e esfaquear um policial.

Dificilmente haverá uma única resposta à pergunta, que tanto vale a serviços de segurança ao redor do mundo, empenhados em evitar novos ataques terroristas.

As histórias de radicais como Masood, afinal, não seguem um formato fechado.

Há, por ora, poucas informações a respeito do passado dele, exceto pelo registro de diversas condenações por agressão e porte de armas.

ATAQUE EM LONDRESA ação

Masood se envolveu em 2000 em uma briga no vilarejo de Northiam, no sul do país, onde vivia com a família. Ele cortou o rosto de outro homem, razão pela qual foi detido por dois anos.

A disputa teve "tons raciais", segundo registrou à época um jornal. Masood era um dos dois únicos negros vivendo na região e sofreu ostracismo a ponto de se mudar dali. Ele teve diversos endereços nos últimos anos.

BRASILEIRO

Um dos casos emblemáticos da radicalização na Europa é o do belga Brian de Mulder, filho de uma brasileira. Ele migrou para a Síria e se uniu às fileiras da facção terrorista Estado Islâmico, que reivindicou o ataque recente em Londres.

Mulder chegou a ter destaque dentro da milícia, onde era conhecido como "Brazili" –"brasileiro", em árabe. Sua morte foi anunciada em novembro de 2015.

Em entrevistas à Folha, sua família contou como Mulder sentia-se desconectado da sociedade, em especial depois de ser expulso de um time de futebol.

Ele passou a jogar basquete com migrantes marroquinos e a frequentar uma mesquita, onde conheceu Fouad Belkacem, um dos principais extremistas belgas –mais tarde preso e condenado.

Reprodução
Brian de Mulder (à dir.), belga nascido de mãe brasileira, em fotografia ao lado do líder terrorista Hicham Chaïb, na Síria
Brian de Mulder (à dir.), belga nascido de mãe brasileira, em fotografia na Síria

Outro caso de radicalização na Europa envolve o brasileiro Kaique Luan Ribeiro Guimarães, que morava na Espanha e foi detido em 2014 a caminho da Síria.

Ele converteu-se ao islã quando já vivia ali e passou a frequentar uma pequena mesquita em Terrassa, cidade próxima a Barcelona, com histórico de radicalizações.

INTERNET

Um estudo publicado em meados de 2016 estimava que mais de 500 belgas haviam viajado à Síria e ao Iraque para unir-se a organizações radicais. O número de britânicos chegava a 760.

Apesar de as histórias de Mulder e Guimarães passarem pelos tapetes das mesquitas, especialistas têm alertado sobre a variedade dos espaços da radicalização. Fóruns de radicais na internet são uma importante ferramenta durante o processo,

Há amplo acesso também ao conteúdo de propaganda publicado por organizações como o Estado Islâmico, que circulam informações em diversas línguas europeias, como o inglês e o espanhol.

A revista "Dabiq", por exemplo, publicou sugestões sobre como utilizar um caminhão para perpetrar um atentado terrorista.

Não há informações sobre o impacto dessa ideia –mas terroristas como Masood atropelaram pedestres em três dos principais atentados na Europa nos últimos anos: Nice (julho de 2016), Berlim (dezembro) e, agora, Londres.


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