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Eleição na Holanda gera ansiedade entre imigrantes e muçulmanos

Diogo Bercito/Folhapress
Mesquita de Essalam, maior da Holanda, em Roterdã; imã pediu a muçulmanos que votem
Mesquita de Essalam, maior da Holanda, em Roterdã; imã pediu a muçulmanos que votem

A tulipa é uma flor imigrante. Seus bulbos, que são hoje um emblema holandês, chegaram ao país no século 16 vindos do Império Otomano.

É uma história bastante distinta daquela que pode ser escrita nesta quarta-feira (15), quando holandeses votarem em suas eleições, transformando o radical PVV (Partido para a Liberdade) em uma das maiores forças políticas do país europeu.

Editoria de Arte/Folhapress

A migração é outra vez um símbolo, mas de outro tipo. Geert Wilders, que lidera o PVV, quer expulsar alguns imigrantes marroquinos, a quem chama de "escória", e proibir o Alcorão, livro sagrado para os muçulmanos.

A migração e o islã estiveram no centro de sua campanha, que coincidiu no final de semana com embates diplomáticos entre Holanda e Turquia, país muçulmano herdeiro do Império Otomano, dissolvido em 1922.

Wilders associa essas minorias à criminalidade e ao esfarelamento da identidade holandesa. Eleitores são motivados também pelos cortes feitos no Estado de bem-estar social, que relacionam ao aumento na migração.

A crescente islamofobia causa ansiedade entre minorias na Holanda, preocupadas com o dia após o pleito.

"É bastante assustador", diz à Folha o tradutor Khaled Nabil, 28, neto de marroquinos. "Volto do trabalho à noite, de trem, e tenho medo de que alguém me aborde para falar sobre migração e a conversa se torne violenta."

Nabil não votou nas últimas eleições, em 2012. Mas, neste ano, vai às urnas. "Posso fazer a diferença e o resultado será importante."

Uma pesquisa publicada na terça-feira (14) pela Ipsos estima que o PVV possa ter 20 assentos no Parlamento, atrás dos 29 do VVD (Partido Popular para a Liberdade e Democracia), de centro-direita. Sondagens anteriores colocavam o PVV na liderança.

Projeção de cadeiras no parlamento - Segundo pesquisa Ipsos divulgada nesta terça (14)

O parlamento hoje - Principais partidos eleitos em 2012

ATENÇÃO

Há bastante apatia também entre migrantes e muçulmanos. Muitos dizem não ter interesse em ir às urnas.

"Não presto muita atenção ao Wilders", afirma Mariam Muhammad, 21, no saguão da mesquita Essalam, em Roterdã, considerada a maior da Holanda. O prefeito da cidade, Ahmed Aboutaleb, nasceu no Marrocos. Mariam, estagiária ali, conta que ainda não decidiu se vai votar.

O imã —líder religioso da mesquita— pediu em um de seus discursos que muçulmanos participem do pleito.

Mas há em outros círculos discussões ideológicas sobre a legitimidade desse voto, considerado um ato de idolatria por grupos extremistas.

Jaouad et-Taouil, 23, já sabe que não vai às urnas. Diz que não teve tempo para se registrar. Taouil nasceu na Holanda, onde foi criado. "Mas me sinto marroquino", conta.

Seus pais, migrantes, mantêm suas tradições em casa, e ele crê que a identidade vem do sangue. Por isso, ressente-se dos ditos de Wilders, que defende a expulsão de marroquinos de dupla nacionalidade acusados de crimes.

"É verdade que alguns dos nossos jovens causam problemas, mas nem todos são criminosos", afirma. "Wilders não distingue os bandidos das outras pessoas."

A retórica do PVV é uma das razões pelas quais há temor quanto ao incremento no número de crimes de ódio.

Há um ano, Jean Paul Fafie, 38, holandês convertido ao islã, voltava da mesquita quando ouviu desconhecidos gritarem que ele era culpado pelo ataque terrorista de 13 de novembro em Paris, onde 130 pessoas foram mortas.

Ele diz, no entanto, não estar preocupado com as eleições. Mesmo que vença, Wilders não terá assentos o suficiente para governar sozinho, e os demais partidos já sinalizaram que não vão formar uma coalizão com ele.

Diogo Bercito/Folhapress
Marianne Vorthoren, 38, diretora do Spior, que congrega 70 organizações islâmicas de Roterdã
Marianne Vorthoren, 38, diretora do Spior, que congrega 70 organizações islâmicas de Roterdã

Ainda assim, o crescimento do PVV pode, para Marianne Vorthoren, impactar na sensação de ser bem-vindo ao país. Holandesa convertida ao islã, ela dirige a Spior, agremiação de 70 organizações islâmicas em Roterdã.

Em 2015 a Spior contabilizou 174 relatos de crimes contra muçulmanos. Ela teme que o número aumente. "Depois do 'brexit' e da eleição de Donald Trump, alguns grupos aparentemente se sentiram legitimados para perpetuar esses crimes."

A Spior organizou debate na semana passada sobre as eleições e incentivou muçulmanos a votar —sem indicar um candidato. "Alguns podem sentir que seu voto não fará a diferença, o que é problemático", diz.

Migrantes, jovens e mulheres tradicionalmente têm menor engajamento nas eleições, afirma.

Ela reconhece que há problemas na comunidade de migrantes e muçulmanos, como sua lentidão em integrar-se, justamente uma das críticas dos islamofóbicos.

"Não nego que há questões a debater", diz. "Mas não podemos dizer para as pessoas que o problema é a identidade delas. Elas se sentem atacadas e acuadas, não há espaço ao debate."


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