Folha de S. Paulo


Com alta procura, Uruguai freia pedidos de residência permanente

"O Uruguai é igual, mas um pouco diferente", diz o argentino Nicolás Ortíz, 34, vendedor de uma livraria na rua Tristán Narvaja, em Montevidéu, conhecida por misturar sebos com lojas de livros novos. Ortíz estudava literatura na Universidade de Buenos Aires quando, em 2001, a economia colapsou após a queda de Fernando de la Rúa (1999-2001). Então, foi para Montevidéu com a mãe, funcionária de uma empresa que faliu à época.

A frase que abre a conversa não é original; Ortíz adaptou-a de um poema de Jorge Luis Borges ("Milonga para los Orientales", 1965), célebre autor argentino que, em vários de seus escritos, elogiava o Uruguai (chamado historicamente de Banda Oriental) pelas mesmas razões que os argentinos radicados de hoje apontam: é um país mais calmo, mais estável, e Montevidéu é, em muitas coisas, parecida com Buenos Aires.

Nicolás Celaya -13.fev.2017/Xinhua
Uruguaios comemoram o título sul-americano sub-20 de futebol em Montevidéu, em fevereiro passado
Uruguaios comemoram o título sul-americano sub-20 de futebol em Montevidéu, em fevereiro passado

A vocação de receber gente do mundo inteiro vem aumentando nos últimos anos. No entanto, autoridades uruguaias declararam, no começo deste ano, que não estão preparadas para tramitar os papéis dos que vêm pedindo residência.

Em comunicado no começo de fevereiro, a chancelaria do país afirmou que não há vagas para o procedimento até janeiro de 2018, nem mesmo para cidadãos do Mercosul —que, de acordo com o tratado, teriam mais facilidade para se instalar nos outros países-membros.

"O aumento de pedidos está seguindo uma escala pouco antes vista, mas isso deveria ser visto como uma coisa boa para o Uruguai, que é um país pouco povoado. O governo parece temer não dar conta de atender a todos", diz à Folha a presidente da ONG Idas y Vueltas, a holandesa Rinche Roodenburg, que dá assistência a imigrantes em situação de pobreza.

A quantidade de residências concedidas pelo governo uruguaio passou de 613 em 2014 para 6.919, em 2015, e 8.098 em 2016. Apenas em janeiro de 2017, foram 305. Foi então que as autoridades resolveram colocar um freio.

URUGUAI - Pedidos de residência

URUGUAI - Origem dos imigrantes, em %

A interrupção não vale, porém, para pedidos de asilo político a refugiados de países em guerra ou grave situação humanitária.

Entre os que conseguiram a documentação para residência permanente no ano passado, 42% são argentinos; 18%, brasileiros; 13%, venezuelanos; e 8%, peruanos.

O status dá direito a uma carteira de identidade com a qual é possível trabalhar, alugar imóvel, pedir vaga numa universidade e ser atendido em hospitais públicos.

Ainda não está completamente regulada a Lei da Maconha, mas, quando isso ocorrer, detentores do documento poderão se inscrever no programa e se candidatar ao processo para comprar as quantidades permitidas.

"A maior prova de que não é um problema que mais pessoas venham é que em pouco tempo vejo todos com trabalho. Se o Estado põe esse freio é porque responde a certo preconceito da sociedade, principalmente com relação a países como República Dominicana, Haiti e Cuba. Dizendo mais claramente, àqueles que trazem população negra", diz Roodenburg.

Para esses três países, de fato, a exigência é maior —é necessário, por exemplo, carta-convite, que muitas vezes é exigida por terceiros.

BRASIL

A carioca Ana Cristina de Almeida, 46, conta que está no Uruguai há 18 anos. A princípio, veio temporariamente, numa época de crise, mas logo achou o ambiente amigável.

Ela casou-se com um local, tem filhos uruguaios e continua trabalhando em sua profissão original, a de assistente social.

"As coisas se encaixaram porque logo vieram os governos progressistas [da esquerdista Frente Ampla] e, portanto, minha expertise era necessária na aplicação dos programas."

Ela diz que pôde manter o padrão de vida que tinha no Brasil, e hoje vive na região de Pocitos, um dos bairros de classe média alta da cidade, diante do rio da Prata.

"Eu admiro muito a cultura, mesmo das pessoas mais simples. Aqui no Uruguai todo mundo sabe ler, escrever, conhece bastante história. No Brasil, chega a dar tristeza a ignorância de quem é mais humilde."


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