Folha de S. Paulo


Absolvição de militares por Operação Condor decepciona parentes

Décadas depois do fim das ditaduras militares na América do Sul, 19 militares foram absolvidos da acusação de participar da Operação Condor —cooperação entre os governos autoritários de Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Uruguai— após julgamento na Itália.

A sentença foi lida no mês passado pela juíza Evelina Canale, em Roma, diante da desolação de parentes de mortos e desaparecidos que tinham cidadania italiana. O vice-presidente do Uruguai, Raúl Sendic, filho do líder tupamaro homônimo preso por 13 anos, estava entre eles.

Filippo Monteforte - 17.jan.2017/AFP
Parentes de vítimas com cidadania italiana choram após absolvição de militares da Operação Condor
Parentes de vítimas com cidadania italiana choram após absolvição de militares da Operação Condor

Ao final, apenas oito dos 33 homens acusados foram condenados –outros seis morreram durante o decorrer de 19 anos de processo. Entre os condenados à prisão perpétua estão dois ex-presidentes —o peruano Francisco Morales Bermúdez Cerruti (1975-1980) e o boliviano Luis García Meza Tejada (1980-1981)—, um general, dois coronéis, um chanceler e o encarregado dos serviços secretos do Peru.

O caso começou a correr na corte europeia em 1998, quando parentes de 25 argentinos e uruguaios com nacionalidade italiana, desaparecidos pelas mãos de ditaduras latino-americanas, moveram ação pedindo justiça que nunca conseguiram ter nas cortes da América do Sul.

Por aqui, os crimes nunca foram investigados, e os torturadores viveram impunes depois do fim dos regimes.

'CAÇADOR'

A 11 mil quilômetros de distância do Tribunal de Roma, em um discreto escritório na Avenida Borges de Medeiros, em Porto Alegre, Jair Krischke acompanhou incrédulo a conclusão do caso.

Conhecido como "caçador de torturadores", o historiador e líder do Movimento de Justiça e Direitos Humanos trabalhou durante anos assessorando o processo montado pelo promotor italiano Giancarlo Capaldo.

Foi Krischke quem ajudou a localizar vários dos nomes de agentes da repressão acusados pelos crimes, anos depois do fim das ditaduras.

"Foi um desastre, e a sentença é incompreensível. Foram condenados os 'mandantes' e absolveram os executores. Isso é uma coisa absurda", afirma ele, sem esconder a indignação na voz.

"É como se em Nuremberg tivessem condenado só [Adolf] Hitler e absolvessem todos os outros", diz, numa referência ao tribunal que julgou crimes nazistas após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Havia "insuficiência de provas" para a condenação daqueles que obedeciam às ordens, segundo a sentença.

Krischke chegou a depor formalmente à corte em 2016. Segundo ele, houve problemas na tradução dos documentos durante o processo. Uma tradutora, por exemplo, confundiu o termo "Operação Condor" com uma atividade comercial entre empresas multinacionais.

A cooperação entre as ditaduras para sequestrar, torturar, matar e desaparecer pessoas que se opunham aos regimes vigentes, com apoio da CIA (agência de inteligência americana), foi assinada secretamente em Santiago, em 1975, e batizada com o nome do abutre dos Andes.

BRASILEIROS JULGADOS

Três militares brasileiros ainda vão a julgamento na mesma corte. São eles: João Osvaldo Leivas Job, Carlos Alberto Ponzi e Átila Rohrsetzer. No início do processo, 13 brasileiros chegaram a ser apontados como responsáveis pelos crimes.

No entanto, dez deles morreram sem chegar ao banco dos réus –incluindo o último presidente do período militar, João Baptista Figueiredo (1918-1999). O último deles, único civil indiciado nos casos, o delegado Marco Aurélio da Silva Reis, chefe do Dops no Rio Grande do Sul, morreu em junho passado.

A previsão é que o julgamento dos brasileiros ocorra em setembro. Como seus nomes foram anexados tarde ao processo, em fevereiro de 2016, o promotor decidiu separá-los dos demais para não atrasar ainda mais o trâmite.

Uma das dificuldades foi o fato de o Brasil nunca ter investigado esses crimes, nem aberto documentos do período da ditadura. A pena pedida pela Promotoria italiana, assim como nos demais casos, é de prisão perpétua.

Após a sentença, os promotores Giancarlo Capaldo e Tiziana Cugini saíram sem dar declarações. Eles só dirão se recorrem ou não quando a argumentação da juíza for publicada –o prazo máximo é de 90 dias. Na Itália, primeiro o juiz dá o veredicto e só 3 meses depois o justifica.

Para Jair Krischke, a absolvição da maior parte dos acusados ainda não é o fim. "Eu acho que vão [recorrer] por uma razão singela: há um clamor. E a própria justiça italiana sentiu isso".


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