Folha de S. Paulo


No Brasil, haitiana faz 'vaquinha' para construir escola em seu país

A professora Geneviève Cherubin, 34, deixou o Haiti há quase dois anos e dá aulas de francês em São Paulo. Após arrumar um emprego e se estabelecer no Brasil, ela quer ajudar seu país.

Gene, como é conhecida, criou uma vaquinha na internet para arrecadar R$ 55 mil e, com o dinheiro, construir uma escola na região de Corail, área pobre do Haiti onde foi voluntária durante quatro anos, após o terremoto que atingiu o país em 2010.

Avener Prado/Folhapress
Há um ano no Brasil, a haitiana Geneviève Cherubin tenta juntar dinheiro para abrir escola em seu país
Há um ano no Brasil, a haitiana Geneviève Cherubin tenta juntar dinheiro para abrir escola em seu país

Ela quer juntar forças ao trabalho de uma amiga, Marjorie Belance, que criou uma escola de forma improvisada para atender cerca de 150 crianças. "Não tem prédio, não tem nada. A lousa é uma parede que eles pintam, escrevem e apagam", conta ela.

O dinheiro arrecadado pela campanha será suficiente para comprar um terreno e erguer uma escola, que terá alojamento para voluntários e uma área reservada para plantar frutas e legumes. Até esta quarta-feira (22), o site apontava R$ 4.075 em contribuições já feitas.

"Vamos cultivar para alimentar as crianças e também para tirar o preconceito da cabeça dos haitianos de que porque eu sei ler não devo mexer na terra", conta Gene.

Seu projeto também quer ajudar a combater outros preconceitos locais, como a discriminação com quem fala crioulo e não francês. "A escola terá aulas em crioulo. No Haiti, o ensino é feito em francês, e não nessa língua, que é a falada pela maioria das crianças", lamenta. "O francês será ensinado como língua estrangeira."

"Às vezes, os professores não falam bem o francês, mas precisam dar aulas com livros nessa língua e não conseguem responder perguntas simples", lamenta Gene.

POBREZA ASSUSTOU

Geneviève cresceu longe da pobreza haitiana, em uma área de classe média de Porto Príncipe. Filha de comerciantes, teve acesso a boas escolas, se formou em pedagogia e começou a trabalhar como professora primária em 2003, mesmo ano em que seu filho, Jonathan, nasceu. O jovem mora atualmente com o pai, nos Estados Unidos.

Em 2010, ela aceitou o convite de uma ONG para ser voluntária em Corail, no litoral do Haiti. Ao vivenciar a miséria, teve um choque.

"Vi um mundo que nunca existiu na minha vida. As pessoas não sabiam o que era luz, televisão, telefone. Era preciso ir longe para buscar água. Não tinha carros. Se alguém morria, era preciso levar o corpo numa moto até outra cidade", lembra ela. "Chorei ao ver tudo aquilo."

Além da tristeza, ela guardou outra lembrança de Corail: o exemplo do casal Geneviève e Rolphe Papillon, que se mobilizou para levar geradores e criar uma biblioteca e uma rádio na região. "Duas pessoas fizeram tudo aquilo. As pessoas que têm poder, como o governo, não fazem nada."

Em 2014, o pai de Gene morreu e ela voltou à capital para ficar com a mãe. Devido a situação difícil no país, decidiu emigrar e começar uma nova vida no exterior.

Enquanto aguardava o resultado do processo de visto brasileiro, Gene ficou seis meses no Equador, dando aulas de francês. Ao chegar no Brasil, precisou dividir um quarto com seis homens enquanto buscava trabalho.

Um dia, numa livraria, ao procurar materiais para estudar português, recebeu a dica de procurar uma vaga no Abraço Cultural, projeto no qual imigrantes e refugiados dão aulas de idiomas para brasileiros em São Paulo

Com o emprego, conseguiu alugar um quarto individual na região da Liberdade e pensa em seguir morando no Brasil, mas envolvida em projetos para melhorar a situação de seu país. "Quem pode ajudar o Haiti? São os haitianos que tiveram oportunidades como eu tive."


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