Folha de S. Paulo


Veja como funciona o processo de deportação de imigrantes nos EUA

Mike Blake - 14.nov.2016/Reuters
Agentes da Patrulha de Fronteira dos EUA prendem homem que pulou a cerca da divisão com o México
Agentes da Patrulha de Fronteira dos EUA prendem homem que pulou a cerca da divisão com o México

Durante sua frenética primeira semana de governo, o presidente Donald Trump cumpriu uma promessa de campanha: a de mudar a maneira pela qual os Estados Unidos aplicam as regras de imigração.

Com uma simples assinatura, ele redefiniu o significado de "criminoso estrangeiro", expandindo amplamente os critérios usados para decidir quem deve ser alvo prioritário de deportação.

E não se trata apenas dos "bad hombres" de quem ele falou durante a campanha eleitoral. Qualquer imigrante desprovido de documentos e condenado por um crime, ou que possa ter cometido "atos que constituem delito criminal" —essencialmente, qualquer pessoa suspeita de um crime mas que ainda não tenha sido formalmente acusada— subiu para o topo da lista.

Para os imigrantes desprovidos de documentos, o caminho da detenção à deportação costuma ser longo e às vezes tortuoso. É possível recorrer da ordem de deportação emitida por um juiz de imigração —ao Conselho de Recursos de Imigração e, em número muito pequeno de casos, até mesmo à Suprema Corte.

Os diretores dos escritórios de campo do Serviço de Fiscalização de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) podem, a seu critério, conceder um adiamento ou remoção, o que representa outra maneira de postergar uma repatriação.

Nas palavras de um funcionário federal da imigração. "podemos colocar uma pessoa em procedimento de remoção amanhã, e meses ou anos podem se passar antes que o processo se conclua".

Mas o que acontece quando o processo se conclui?

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Um destino disposto a receber os retornados

O primeiro passo é garantir que o país ao qual os imigrantes desprovidos de documentos estejam sendo deportados os aceitará de volta. As autoridades de imigração precisam obter documentos de viagem do país envolvido —essencialmente, uma garantia de que o cidadão será aceito quando ele sair dos Estados Unidos. Isso na maioria das vezes não é problema.

Funcionários consulares do México, o país do qual vem a maioria dos deportados, respondem rapidamente, segundo as autoridades de imigração norte-americanas.

Uma pequena porcentagem das pessoas que são alvo de ordens de deportação —alguns milhares por ano– não são aceitas de volta por seus países de origem, e de acordo com uma decisão da Suprema Corte em 2001, isso significa que devem ser libertadas da detenção.

Jim Watson - 15.fev.2017/AFP
Imigrantes latinos entram nos EUA para trabalhar temporariamente em lavouras
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O ponto de partida

Da mesma maneira que há diversos desfechos possíveis para um processo de imigração, também existem maneiras diferentes de deportar os imigrantes não autorizados. Muito depende da localização.

Os cidadãos mexicanos são tipicamente transportados de avião para cidades como Phoenix, San Diego e Brownsville, Texas. De lá, são carregados para o outro da fronteira em furgões ou ônibus, ou em alguns casos simplesmente atravessam uma ponte a pé.

É frequente ver furgões saindo do edifício do ICE no centro de Phoenix e desaparecendo em meio ao tráfico da cidade, para transportar os deportados de volta ao México.

Os cidadãos de outros países em geral são transportados a cidades que abrigam um dos 24 escritórios de campo usados para operações de remoção pelas autoridades de imigração. A lista de cidades inclui Seattle, Las Vegas e Boise, Idaho, no oeste; Omaha, St. Paul, Minnesota e Kansas City, Missouri, no centro do país; e Miami e Harrisburg, Pensilvânia, no leste. De lá, os deportados voam para seus destinos finais.

A jornada

O ICE conta com uma divisão de transporte aéreo e usa uma combinação entre voos comerciais e voos fretados para transportar os detidos de uma cidade dos Estados Unidos a outra, e delas para outros países.

Há voos fretados regulares para países que recebam grande número de deportados frequentemente, como por exemplo El Salvador e Honduras.

A agência também transporta deportados em voos fretados para a Europa, Ásia e África, ainda que com menos frequência. Recentemente, um desses voos conduziu deportados à Somália, de acordo com um porta-voz do ICE.

Os deportados são algemados e têm seus tornozelos agrilhoados, se estão sendo transportados sob escolta em voos fretados ou comerciais.

Mas nem todos são escoltados: a decisão se baseia em terem ou não um histórico de crimes violentos, ou de serem considerados perigosos para terceiros. Durante o voo, as algemas só são removidas quanto os deportados estão comendo ou vão usar o banheiro.

Jorge Duenes - 11.fev.2017/Reuters
Agente da Patrulha de Fronteira dos EUA é visto patrulhando com quadriciclo a divisão com o México
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O custo da repatriação

O custo dessas jornadas é coberto integralmente pelos contribuintes dos Estados Unidos. O ICE paga em média US$ 8.419 por hora de voo, nos voos fretados, independentemente do número de pessoas transportadas.

Ter assentos vazios em número excessivo e com frequência excessiva, nesses voos, são duas das críticas que a inspetoria geral do Departamento de Segurança Interna (DSI) fez ao ICE em uma auditoria conduzida em 2015.

Outra crítica se relaciona às rotas tortuosas seguidas, para pelo menos alguns dos deportados. Em 2013, um deles foi levado de Seattle a El Paso, e de lá a Phoenix, de volta a Seattle e de volta a Phoenix, antes de por fim pousar na Guatemala.

Depois da chegada

Os imigrantes em geral chegam ao seu destino carregando apenas as roupas que vestem. Seus sapatos não têm cordões e eles não podem usar cintos, por medo de que esses artigos sejam usados para tentativas de suicídio.

Não é responsabilidade do governo dos Estados Unidos conduzi-los ao seu destino final. Do ponto de transferência - um aeroporto, uma ponte sobre o Rio Grande, na fronteira com o Texas, ou um portão de entrada em outras travessias de fronteira terrestre -, os deportados têm de se organizar para se encontrar com os parentes ou contatar as famílias que deixaram para trás.

Certa manhã, no ano passado, vi pelo menos uma dúzia de homens emergindo de um pequeno escritório do governo mexicano em Nogales, logo ao sul da fronteira, o ponto de chegada deles ao México. Estavam visivelmente confusos.

Um dos homens abordou um motorista de táxi e perguntou quanto custaria uma corrida até San Luis Potosí - um Estado no coração do México. Ele não tinha dinheiro.

O taxista mostrou a ele uma rua próxima e disse que deveria seguir por ela até chegar à cozinha assistencial operada pela Kino Border Initiative, uma uma organização sem fins lucrativos que alimenta e fornece roupas aos deportados recentemente devolvidos a um país que haviam escolhido abandonar.

Cinco anos antes, Maria Rodriguez, 40, passou pelo mesmo escritório. Ela não tinha dinheiro e nem ideia sobre onde poderia ir, ao ser deixada em Nogales depois da deportação. (Rodriguez mais tarde voltou aos Estados Unidos depois de solicitar asilo, citando a violência dos cartéis de drogas em seu estado, Guerrero. Mas ela não tem documentação regular no momento.)

"Pedi emprestado o celular de uma pessoa que eu nem conhecia, para ligar para o meu marido", recordou Rodriguez em entrevista esta semana. O marido, que na época residia nos Estados Unidos, atravessou a fronteira para levar roupas e dinheiro para ela antes de voltar para a casa deles em Phoenix fim de cuidar dos quatro filhos do casal.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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