Folha de S. Paulo


Ultraconservador americano perde contrato após relativizar pedofilia

Jeremy Papasso/Daily Camera/AP
Milo Yiannopoulos, editor do site ultraconservador Breitbart News
Milo Yiannopoulos, editor do site ultraconservador Breitbart News; ele renunciou ao cargo nesta terça

Milo Yiannopoulos, polêmico editor do site ultraconservador Breitbart e defensor declarado da direita alternativa, testou até onde podem ir os limites de suas provocações depois da divulgação de um vídeo em que ele relativiza relações sexuais com garotos de apenas 13 anos e minimiza a seriedade de casos de pedofilia cometida por padres católicos.

Na segunda-feira (20), os organizadores da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) rescindiram o convite que lhe haviam feito para discursar esta semana.

A editora Simon & Schuster anunciou o cancelamento da autobiografia "Dangerous", depois de defender Yiannopoulos ao longo de semanas de críticas à publicação do livro.

Em comunicado divulgado nesta terça-feira (21), Yiannopoulos anunciou sua renúncia ao cargo de editor do site. "O Breitbart ficou ao meu lado quando outros cederam. Eu estaria errado em permitir que minha má escolha de palavras atrapalhasse o trabalho de reportagem dos meus colegas, então hoje eu renuncio ao Breitbart, com efeito imediato."

As declarações de Yiannopoulos, que rapidamente geraram reações de furor on-line no fim de semana, deixaram muitos conservadores em posição profundamente incômoda. Há muito tempo eles vinham defendendo as posturas racistas e as manobras do editor para chamar a atenção, dizendo que a esquerda tentara de modo hipócrita censurar seu direito à livre expressão.

Mas, ao que parece, endossar a pedofilia foi além do que eles puderam tolerar. O conselho de direção da União Conservadora Americana (ACU), do qual fazem parte veteranos do movimento conservador, nomes como Grover Norquist e Morton Blackwell, tomou a decisão de revogar a participação de Yiannopoulos como palestrante e condenar suas declarações.

"Fizemos o convite a ele inicialmente cientes de que a questão da livre expressão nos campi universitários é um campo de batalha no qual precisamos de representantes conservadores corajosos", disse em comunicado escrito o presidente da ACU, Matt Schlapp.

Schlapp descreveu as declarações dadas por Yiannopoulos como perturbadoras e disse que a explicação dada pelo jornalista foi insuficiente.

Yiannopoulos, que já desancou muçulmanos, imigrantes, transgêneros e os direitos das mulheres, é um dos maiores colaboradores do Breitbart News, do qual é editor sênior. Graças às suas façanhas e suas declarações frequentemente chocantes, ele angariou uma grande base de fãs. Mas, na tarde de segunda, seu futuro no site estava sendo discutido intensamente pela direção do veículo.

REPERCUSSÃO

Um jornalista do Breitbart, pedindo anonimato para comentar deliberações reservadas, descreveu divergências de opinião na redação do site sobre a conveniência de Yiannopoulos permanecer. Entre os profissionais do site, houve um consenso de que suas declarações foram mais extremas que as de praxe, disse o jornalista, e executivos do site estariam discutindo ao telefone se seu pedido de desculpas seria o bastante para ele conservar seu cargo no site.

Um representante do Breitbart se negou a comentar o assunto.

Depois de o vídeo ser vazado no Twitter por um grupo conservador chamado Reagan Battalion, Yiannopoulos negou que alguma vez tivesse considerado o molestamento sexual infantil aceitável, destacando que ele próprio foi vítima disso. Ele atribuiu o mal-entendido a seu "sarcasmo britânico" e a um trabalho de edição "enganoso".

No vídeo, porém, o polemista deixa claro que não vê problema em homens mais velhos assediarem crianças de apenas 13 anos, algo que ele então coloca em pé de igualdade com relacionamentos entre homens gays mais velhos e mais jovens, mas acima da idade do consentimento.

"Não, não, não. Você não está entendendo o que significa pedofilia", ele diz no vídeo, em que participa de um bate-papo com radialistas. "Pedofilia não é sentir atração sexual por uma pessoa de 13 anos que tem maturidade sexual. Pedofilia é sentir atração por crianças que ainda não chegaram à puberdade", ele acrescenta, desprezando o fato de que pessoas de 13 anos são crianças.

A noção de consentimento, ele diz, é "arbitrária e opressiva".

Em um ponto do vídeo, um participante não identificado diz que o comportamento defendido por Yiannopoulos é o mesmo que o assédio sexual cometido por padres católicos. Yiannopoulos responde, em tom irônico, dizendo que foi um padre quem o ajudou a desenvolver sua técnica sexual.

Conservadores reagiram às declarações com repúdio quase unânime. Alguns se disseram perplexos pelo fato de os organizadores da conferência terem convidado Yiannopoulos a participar, em primeiro lugar, em vista de seu histórico de declarações ofensivas contra negros e muçulmanos e que, de modo geral, infringiram os limites da decência. Yiannopoulos foi barrado do Twitter.

"Um erro colossal de julgamento", escreveu no Twitter o editor da "National Review", Rich Lowry. "Agora a CPAC se colocou no papel de 'censora'. E para quê? Por alguns cliques e manchetes?"

Até agora, Yiannopoulos, partidário ardoroso do presidente Donald Trump, tinha emergido como uma espécie de herói para muitos da direita, que enxergaram nele um combatente veemente contra o que veem como uma cultura de correção política excessiva. Yiannopoulous tornou-se um astro no Breitbart, site de jornalismo de extrema direita, e conquistou a admiração de Stephen Bannon, que foi o publisher do Breitbart até tornar-se estrategista chefe da Casa Branca de Trump.

Yiannopoulos estava apenas começando a firmar sua posição na mídia. Recentemente ele apareceu no programa de entrevistas do humorista Bill Maher na HBO, onde lançou farpas agressivas contra os liberais, sem ser muito questionado pelo apresentador. Seu livro "Dangerous", autobiografia e manifesto em favor da livre expressão que em dezembro ele vendeu ao Threshold, um selo conservador da editora Simon & Schuster, já estava no topo da lista dos mais vendidos da Amazon, com base nos pedidos antecipados.

A editora enfrenta críticas crescentes a seu relacionamento com Yiannopoulos. Em protesto contra essa relação, a autora Roxane Gay cancelou seu contrato de um livro com a Simon & Schuster.

A empresa defendeu Yiannopoulos mesmo depois de ser cancelada uma palestra que ele daria na Universidade da Califórnia em Berkeley, após protestos de estudantes contra sua presença no campus.

Mas na noite de segunda, a editora, em comunicado breve, anunciou estar cancelando a publicação do livro, "depois de submeter o assunto a consideração cuidadosa".

Em comunicado divulgado por meio de seu agente, Yiannopoulos disse: "As pessoas cujas posições, preocupações e temores eu articulo não ficam tomando vinho branco e comendo canapés em salões dourados. E não serão derrotadas pela elite que controla o mundo editorial de Nova York. Tampouco eu serei."

A decisão provavelmente será onerosa para a Simon & Schuster, que talvez não consiga recuperar a parcela do adiantamento de US$ 250 mil que já teria pago a Yiannopoulos. "Dangerous" já tinha vendido quase 50 mil exemplares, segundo o agente literário do autor, Thomas Flannery Jr., que pretende procurar outra editora.

Tradução de CLARA ALLAIN


Endereço da página: