Folha de S. Paulo


Equador chega às urnas com imprensa limitada por Rafael Correa

Faltam poucos dias para a eleição presidencial no Equador, mas quem depender dos grandes jornais e meios televisivos para saber o que está acontecendo nos bastidores das campanhas ou para encontrar uma análise econômica ou social de como chega o país a este pleito, ficará na mão.

As manchetes dos noticiários se limitam a contar quantas inaugurações o presidente do país, Rafael Correa, realizou nos últimos dias, ou qual é a multa para quem não for votar no dia 19.

Rodrigo Buendía - 18.fev.2013/AFP
Homem lê capa de jornal sobre a reeleição do presidente Rafael Correa em Quito, em 2013
Homem lê capa de jornal sobre a reeleição do presidente Rafael Correa em Quito, em 2013

Ou, ainda, como estampou em manchete na segunda (13) o "El Universo" —no passado um jornal crítico ao governo: "A cem dias de deixar o cargo, Correa prepara transição".

"É triste, os grandes meios se renderam à autocensura, depois de anos levando processos, condenados a pagar multas e tendo de enfrentar o presidente nos tribunais. Os bons jornalistas saíram e atuam por meio de sites, newsletters ou nas redes sociais, enquanto os veículos tradicionais apenas reportam o que não lhes causa problemas", diz à Folha o jornalista Emilio Palacio.

O ex-articulista do "El Universo", um dos principais jornais do país, pediu asilo político nos EUA, em 2011, após ser condenado pela Justiça equatoriana por um artigo que criticava a atuação de Correa na administração de uma crise.

Na época, ele foi condenado junto com os três proprietários do jornal, sediado em Guayaquil. Enquanto ele recebeu uma pena de três anos de prisão, da qual escapou fugindo para Miami, os executivos foram multados em US$ 40 milhões.

Correa também foi aos tribunais para processar os jornalistas Juan Carlos Calderón y Christian Zurita, condenados a pagar US$ 2 milhões por investigar irregularidades nos negócios da família de Correa.

Depois de vários processos como estes e de expropriações de canais de TV, Correa aprovou, em 2013, a Lei Orgânica de Comunicações, que regula concessões e estabelece controle de conteúdo.

Para isso, a legislação criou uma agência controladora, a Superintendência de Comunicação (a Supercom), que funciona como tribunal específico para a imprensa.

Foi por meio dela, por exemplo, que o cartunista Bonil foi condenado a corrigir um cartum em que descrevia como havia sido uma busca realizada pela polícia na casa de um outro jornalista, que investigava contratos do governo. A charge alterada teve de ser publicada no mesmo espaço da anterior, e seu jornal, condenado a uma multa.

A Sociedade Interamericana de Imprensa condena desde o princípio a criação da lei e pede sua revogação. Em seu último encontro, afirmou que "o jornalismo no Equador se exerce em condições extremas e há um retrocesso na liberdade de expressão."

Desde que a Supercom existe, foram sancionados administrativa ou economicamente 477 meios de comunicação e jornalistas de todo o país.

A pressão foi tão grande que obrigou três meios impressos, incluindo o jornal "Hoy", que chegou a ser o segundo em tiragem no país, e a revista "Vanguarda", uma das principais, a deixarem de circular.

O tradicional "El Comercio", de Quito, que junto ao "El Universo" formava a elite da imprensa gráfica do país, também não aguentou o estrangulamento financeiro —o governo pressionou empresas para que não anunciassem na publicação— e foi vendido a um empresário mexicano. Desde então segue uma linha editorial não crítica ao governo.

INTERNET

Ex-jornalista da "Vanguarda", Roberto Aguilar formou com outros três ex-funcionários de meios tradicionais o site 4pelagatos.com. "Os jornalistas que ficaram nos grandes meios hoje se transformaram em tabeliães, apenas escrevem notas oficiais. Quem faz jornalismo hoje são meios digitais como o nosso."

Além do 4pelagatos.com, são críticos ao governo o site Mil Hojas e o Focus Ecuador.

"O problema é que somos todos deficitários, não ganhamos nada, pagamos do nosso próprio bolso. Mas são os únicos lugares onde se pode encontrar investigações sobre casos de corrupção de funcionários do governo", afirma Aguilar.

Palacio completa: "É heroico o que fazem, mas não é um modelo sustentável. Já não é mais o caso de falar apenas em liberdade de expressão, e sim dos direitos humanos dos jornalistas. Eu, por exemplo, não posso voltar ao meu país, vivo de modo precário nos EUA, e tenho de sustentar minha família", completa.

GOVERNO E CANDIDATOS

Correa justifica sua Lei de Comunicação como uma forma de democratizar os meios, estabelecendo cotas para veículos comunitários e de organizações sociais.

Além disso, tem um programa todos os sábados, chamado "Enlace Ciudadano" (Ligação Cidadã, em português), em que, por cerca de três horas, ele mesmo dá notícias sobre o que ocorre em seu governo. Considera que é o "único meio em que se obtém a verdade sobre o país".

Nesta eleição, os candidatos opositores à Correa, Guillermo Lasso e Cynthia Viteri, que estão com mais chances de ir ao segundo turno com o governista Lenín Moreno, dizem que esse estrangulamento da imprensa irá terminar, caso sejam eleitos. "Não acredito numa democracia sem imprensa livre", disse Lasso à Folha.

Já Moreno não fala muito do assunto, mas seu perfil moderado e antipopulista leva os jornalistas a acreditarem que não priorizará o avanço contra os meios caso vença.


Endereço da página:

Links no texto: