Folha de S. Paulo


Disputa política mira casas para o consumo de maconha em Amsterdã

Amsterdã lamentou, no início deste ano, a perda de uma de suas instituições culturais: o Mellow Yellow. A venda e o consumo de maconha eram tolerados ali, como em outras dezenas de casas do gênero na cidade, chamadas "coffeeshops".

Mas, com sua icônica fachada amarelada, o Mellow Yellow era o mais antigo deles, remontando a 1972. "Era como um templo", diz Akshay Ramji, 25, garçom em outro "coffeeshop".

A Holanda tem apertado o cerco a essas casas: oito foram fechadas na virada do ano e, na última década, 41 delas foram obrigadas a encerrar o negócio. Ainda há 167 na ativa.

Marcelo Justo - 21.set.2011/Folhapress
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O "coffeeshop" Mellow Yellow, fechado no início deste ano em Amsterdã

Diversos "coffeeshops" foram vítimas de uma medida que proíbe a venda de maconha a menos de 250 metros de escolas —o Mellow Yellow estava a 230 metros de um curso de barbeiro.

"Há uma atmosfera conservadora", diz Jonathan Foster, dono do Grey Area. Foster abriu seu "coffeeshop" 22 anos atrás. Com o fim de dezenas de outras casas, a clientela do Grey Area tem encorpado. Há dois anos, foi necessário contratar um porteiro para controlar o fluxo ininterrupto. Dois garçons dão conta da fila.

Turistas se alinham, na fumaceira, e escolhem entre as variedades disponíveis no cardápio —sabores como banana e chiclete, para ficar sonado ou alerta. É possível comprar um cigarro por cerca de R$ 20.

"O governo aperta os cintos a toda hora", diz Jacqueline Forsythe, mulher e sócia de Foster. "Não sabemos se eles vão apertar outra vez."

Há propostas para regulamentar os "coffeeshops", que ainda operam entre leis opacas. A venda e o consumo de maconha são descritos em holandês como "gedogen", uma espécie de "vista grossa" das autoridades. A prática não é permitida pela lei, mas tampouco é punida.

Por outro lado, o plantio e o fornecimento estão proibidos. É a chamada "política da porta de trás", que faz com que os donos de "coffeeshops" infrinjam as regras se quiserem manter seu estoque.

O partido Democratas 66, centrista, propôs recentemente uma lei que regularizaria a situação. O texto deverá ser votado em março.

POLÍTICA

A Holanda terá suas eleições gerais no mesmo mês, o que poderá determinar o futuro dos "coffeeshops".

A queda no número dessas casas é um dos indícios da disputa ideológica entre o governo nacional, mais conservador, e a prefeitura de Amsterdã, mais liberal.

O governo decidiu, em 2012, que turistas não poderiam frequentar "coffeeshops". A medida tinha por objetivo combater o turismo de drogas no país. A prefeitura de Amsterdã, que discorda da abordagem, contestou a regra. Um acordo foi travado —a cidade poderia manter os cafés abertos a estrangeiros desde que fechasse aqueles a menos de 250 metros de escolas.

"Sabemos que isso chateia quem foi afetado", diz à Folha Jasper Karman, porta-voz da prefeitura. "Tivemos que escolher. Acreditamos ter tomado a decisão certa."

A prefeitura afirma que a presença dos turistas nesses estabelecimentos é do interesse da cidade. Uma pesquisa de 2012 diz que 25% dos visitantes foram a um "coffeeshop" naquele ano.

"Acreditamos na política dos 'coffeeshops'. Há educação. A pessoa atrás do balcão pode explicar ao usuário o que fazer e verificar que não é menor de idade", diz.

"A alternativa era um péssimo negócio para a cidade: comércio ilegal nas ruas e turistas comprando maconha de traficantes que também vendem drogas pesadas."

Procurado pela reportagem, o Ministério da Segurança e Justiça não respondeu aos pedidos de entrevista ou informações.

'ABORDAGEM INFANTIL'

A política de "coffeeshops", criada na Holanda nos anos 1970, visava separar a maconha de drogas mais pesadas. Especialistas lamentam, no entanto, que as regras tenham deixado o país no meio do caminho entre a proibição e a legalização.

"A Holanda, que deu início a essa política liberal, tem hoje uma abordagem infantil", diz David Duclos, relações públicas da instituição de sementes e pesquisa genética Sensi Seeds.

O fato de que uma loja possa vender, mas não possa plantar ou comprar para a venda, leva ao que o especialista legal Kaj Hollemans descreve como um "conto de fadas": "É como se a maconha se materializasse no 'coffeeshop' para o cliente."

"É uma situação bizarra", diz Aline de Angelis, que gerencia o "coffeeshop" La Tertulia ao lado de sua mãe.

Partidos conservadores se opõem à regularização. Políticos mais extremos prefeririam que a maconha fosse totalmente proibida.

A questão, para Floor van Bakkum, que trabalha em centro de ajuda para dependentes, não é de esquerda ou direita, mas de pragmatismo.

O governo pode vistoriar "coffeeshops", mas não o tráfico nas ruas. "Com a criminalização vem a agressividade e a violência", afirma. "Vamos usar drogas de toda maneira", diz um consumidor. "Ao menos aqui não precisamos nos esconder."


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