Folha de S. Paulo


Análise

Realidade já mostra aos EUA o que é desejo ou é possível contra terror

Assim como nas derrotas judiciais temporárias de seu plano contra imigrantes, a realidade começou a se interpor entre os desejos e o que é exequível nas ideias de Donald Trump sobre o combate ao terrorismo.

Segundo o "The New York Times", o governo do Iêmen proibiu a presença de comandos americanos em seu solo após uma malsucedida operação no mês passado.

Wakil Kohsar/AFP
Militares dos EUA arrumam equipamentos ao chegar a Candahar, no Afeganistão, em outubro de 2014
Militares dos EUA arrumam equipamentos ao chegar a Candahar, no Afeganistão, em outubro de 2014

Confirmado, será o primeiro movimento retaliatório de um país colocado na lista daqueles proibidos de enviar cidadãos aos EUA contra Trump, por ora barrada.

Os problemas do novo presidente são maiores, contudo. Ele já declarou que quer aniquilar os terroristas do Estado Islâmico. Ao mesmo tempo, o presidente endurece as relações com o Irã, colocando o país "sob aviso" e estudando classificar de terrorista a unidade de elite das Forças Armadas de Teerã.

Com isso, parece real a promessa dos ideólogos de Trump de combater todo o islã. Na prática, porém, é inviável guerrear do Levante ao Afeganistão, exceto que os EUA usem arsenal nuclear.

O EI é uma entidade filiada a uma versão radical do ramo majoritário da religião, o sunismo. O Irã é o centro mundial da minoria xiita. Os dois grupos são rivais estratégicos, e Teerã disputa com a Arábia Saudita a influência sobre o Oriente Médio.

O governo de Barack Obama, buscando evitar a bomba atômica iraniana, forjou um acordo que ampliou o poderio econômico do país e o encorajou a ampliar seu papel na guerra civil síria ao lado da aliada Rússia.

Pior, e nisso a crítica de Trump do acordo é correta, nada garante que a bomba não acabe sendo produzida.

Obama retirou o grosso das tropas do Iraque, assim como no Afeganistão, só para ver a ascensão de radicais em ambos. Priorizou o uso de aviões não tripulados e os assassinatos seletivos, mas como estratégia essa tática é ineficiente: é preciso tropas no solo para vitórias militares.

Como Trump vai lidar com isso? Nesta quarta (8), o comandante americano das forças remanescentes no Iraque disse que em seis meses as cidades de Raqqa (Síria) e Mossul (Iraque) estariam livres do EI —só não disse como.

Trump sugere que gostaria de ter a Rússia como parceira no combate aos territórios do EI na Síria, mas os limites a esse plano são evidentes.

O alvo principal da Força Aérea de Vladimir Putin não é tanto o EI, mas sim a oposição moderada ao ditador Bashar al-Assad, seu aliado.

No solo, o trabalho é feito justamente pelas tropas iranianas que Trump quer classificar de terroristas, assim como a já proscrita milícia libanesa xiita Hizbullah.

Até aqui, os EUA apoiam frações da oposição moderada na Síria, ainda que Trump não saiba diferenciar os grupos. E a aliança russo-iraniana teoricamente não comportaria Washington.

Historicamente, os EUA se aliaram com figuras polêmicas para alcançar seus objetivos, como ocorreu com o ditador soviético Stálin.

Para negociar com Putin, Trump tem o fim das sanções devido à anexação da Crimeia como carta na mesa. Ele entregaria a Ucrânia em troca de um acerto na Síria, abrindo uma crise grave com a Europa? A complexidade dos cenários parece deixar claro ao time de Trump que nem tudo se resolve com decretos.


Endereço da página:

Links no texto: