Folha de S. Paulo


Na Índia, notícias falsas se espalham com velocidade nas redes sociais

A "pós-verdade" chegou à Índia por Whatsapp.

Se o serviço de mensagens instantâneas ajuda os indianos a se comunicar melhor –podem ser contratados diversos tipos de serviço pelo aplicativo e, em partes do país, a polícia até recebe denúncias–, ele também tem contribuído para a rápida disseminação de informações falsas.

Roberto Schmidt - 13.nov.2012/AFP
ORG XMIT: RAS003 Indian traders chant mantras as they worship electronic gadgets including iPads,laptops and mobile phones on Diwali, the Festival of Lights at their office in New Delhi on November 13, 2012. Since ages, the worshipping of account books has been an essential part of Diwali for the business community in India for prosperity of business. Signifying the modernisation of the retail trade in India, some traders are now including the worshipping of electronic gadgets. The festival of Diwali celebrates the victory of good over evil, light over darkness and knowledge over ignorance. AFP PHOTO/Roberto Schmidt
Comerciantes indianos veneram equipamentos eletrônicos em Nova Déli

O Whatsapp tem seu maior mercado nacional na Índia, com mais de 160 milhões de usuários ativos, superando as demais redes sociais, como Facebook e Twitter.

Em novembro, depois de o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, anunciar a substituição de cédulas de rúpias com o intuito de combater a sonegação de impostos, começaram a circular nas redes sociais boatos de que o novo dinheiro continha microchips e podia ser rastreado por GPS.

Vídeos falsos mostravam a localização de notas no Google Maps a partir de seus números de série.

Pouco depois, o Banco Central desmentiu a informação sobre as cédulas rastreáveis, classificando-a de "fábula da imaginação".

No mesmo mês, circularam pelo Whatsapp notícias sobre o suposto desabastecimento de sal e outros alimentos em alguns Estados do país, provocando pânico e levando pessoas a correr para estocar produtos. Em um tumulto na cidade de Kanpur, uma mulher morreu após ser empurrada e cair em um bueiro.

As autoridades vieram a público para negar a escassez de comida.

O blogueiro de tecnologia e ativista indiano Thejesh GN disse à Folha que as pessoas "abusam das vantagens" do Whatsapp ao encaminhar informações não verificadas para muitas pessoas ao mesmo tempo.

"Não estou dizendo que é culpa do Whatsapp", afirma Thejesh. Ele sugere que o aplicativo poderia trazer melhorias, como incluir mecanismo de denúncia de spams.

POLÍTICOS

A epidemia de notícias falsas não afeta somente a população comum.

Na campanha eleitoral de 2014, políticos divulgaram mensagens que exaltavam o então candidato Modi falsamente atribuídas a Julian Assange, fundador do Wikilieaks. A ONG desmentiu a citação.

Segundo Thejesh, a disseminação de notícias falsas pelo governo "era maior durante as eleições, mas não parou aí".

Em uma ocasião, o governo divulgou nas redes sociais imagens digitalmente manipuladas que mostravam Modi sobrevoando uma área atingida por inundações.

Reprodução
Tuíte do governo indiano com imagem digitalmente manipulada que mostra o premiê Narendra Modi sobrevoando uma área atingida por inundações
Tuíte do governo indiano com imagem digitalmente manipulada

Os internautas reagiram à montagem com memes, levando o governo a apagar a publicação.

Mais recentemente, o próprio primeiro-ministro disseminou um boato da internet em um comício em dezembro em que defendeu a adoção de tecnologias para desmonetizar a economia indiana.

"Eu não sei até que ponto é verdade, mas há um vídeo viralizando no Whatsapp em que um homem diz a um mendigo que, embora quisesse ajudá-lo, não tinha dinheiro trocado", discursou Modi. "O mendigo diz para ele não se preocupar e mostra uma máquina de cartão de débito."

O vídeo, na verdade, foi feito em novembro de 2013 por um canal de entretenimento do YouTube. Seus criadores afirmaram ter combinado a encenação com o morador de rua usando uma máquina de cartão emprestada.

FENÔMENO MUNDIAL

A disseminação de notícias falsas não é um fenômeno exclusivamente indiano.

No Ocidente, a prática chamou a atenção de meios de comunicação e analistas desde as eleição presidencial nos Estados Unidos, em novembro.

Na reta final da campanha, aumentou o acesso a notícias falsas sobre o pleito, principalmente àquelas contrárias à candidata democrata, Hillary Clinton, derrotada pelo republicano Donald Trump.

As notícias falsas contribuem para o que ficou conhecido como "pós-verdade". O termo foi escolhido como palavra do ano de 2016 pelos Dicionários Oxford, que o definiram como adjetivo "relacionado a circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e à crença pessoal".


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