Folha de S. Paulo


Opinião

Com Trump, Washington se torna a capital mundial do populismo

Em suas primeiras duas semanas de governo, o trumpismo promete governar como fez campanha, vinculando uma ideia do povo homogêneo encarnado no líder como se estivesse confrontado com o antipovo e num contexto apocalíptico nas relações internacionais.

Trump pensa em si mesmo como encarnação do povo frente a inimigos internos e externos da nação.

Shannon Stapleton/Reuters
Boneco de Donald Trump é colocado em vitrine ao lado de Estátuas da Liberdade em loja de Nova York
Boneco de Donald Trump é colocado em vitrine ao lado de Estátuas da Liberdade em loja de Nova York

Especificamente em seu já clássico discurso na CIA, Trump substituiu a verdade pelo mito e definiu os jornalistas como aqueles que estão entre "os seres mais desonestos da Terra".

O que há de novo nessa repetição de argumentos populistas? Países como Argentina, mas também Venezuela ou Hungria, entre muitos outros, viveram e vivem versões locais dessa demonização populista dos meios de comunicação, que se soma à diminuição da importância das instituições e das leis.

O que é novo é que o populismo governa o país mais poderoso da Terra. Menos novos são o estilo e a ideologia do seu líder. Trump não é o primeiro a dizer "America First". Esse é mais propriamente o lema dos americanos filonazistas antes de 1945.

Todos os líderes populistas dizem que o país está acima de tudo, mas na prática o que isso implica é que sua liderança e opinião prevalecem sobre todos.

Com Trump, os EUA, que por tanto tempo se apresentaram como diferentes do resto do mundo, por suas qualidades democráticas, se converteram num líder da antipolítica e da democracia autoritária em nível global.

Telefonemas agressivos com os líderes do México e da Austrália se combinam com "fatos alternativos".

Concretamente, o trumpismo substituiu o peronismo argentino como o caso paradigmático do populismo e fez com que Washington, e não Buenos Aires, Budapeste ou Caracas, seja atualmente a capital mundial do populismo. Se o peronismo constituiu o primeiro capítulo da longa história do populismo do pós-guerra, o trumpismo já se mostra como seu novo paradigma.

Os populistas da xenofobia, como Marine Le Pen e as extremas direitas da Alemanha e da Holanda, celebram o trumpismo como o primeiro capítulo de uma nova história do autoritarismo. Mas essa conclusão é apressada.

A partir de uma possível leitura dessa história populista, pode-se ver como o autoritarismo tende a substituir a realidade com seus mitos, nos quais acaba acreditando, alienando muitos dos seus seguidores e criando resistências significativas.

Ganhar eleições não implica uma delegação de poder. Essa é, claro, a tradição democrática dos EUA que o presidente quer reformular.

A maioria de cidadãos que não votaram em Trump não parece estar identificada com as suas propostas de deportação massiva ou com seu olhar discriminatório.

As recentes marchas das mulheres demonstraram que Trump, ou sua versão dos EUA, não pode estar em primeiro lugar em tudo.


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