Folha de S. Paulo


Em favela, estrangeiros apoiam regras mais duras de imigração da Argentina

Na favela conhecida como Villa 31, encravada no centro de Buenos Aires, a maior da capital, mais de 60% da população é estrangeira, composta principalmente de imigrantes bolivianos, paraguaios e peruanos. Nos últimos anos, a Villa 31 passou a receber também um número maior número de africanos e haitianos.

A Folha visitou o local para conhecer a opinião dos habitantes sobre as medidas restritivas à imigração que o presidente Mauricio Macri aprovou, por decreto, na semana passada.

Entre elas, está impedir a entrada no país de estrangeiros que tenham registro policial, facilitar a expulsão dos que tenham cometido delitos em território argentino e aumentar o pedido de informações necessárias para requerer a entrada com vistas à permanência.

Estão previstos, ainda, um reforço policial e de logística de informática nos postos fronteiriços. O governo estuda também a criação de um tribunal para tratar causas migratórias e uma prisão especial para os imigrantes.

A justificativa é combater a criminalidade —especialmente o tráfico de drogas. Segundo dados oficiais, 22,6% da população carcerária argentina hoje é composta por imigrantes, a maioria originária dos países mencionados.

"Eu sou a favor de que os delinquentes não entrem. No passado não era assim, quem vinha para cá era gente como eu, que não tinha boa situação econômica em seu país. E a Argentina nos recebia bem, pois aqui tinha trabalho. Mas hoje estão vindo delinquentes para matar, traficar, então estou de acordo com o presidente", diz a peruana Esperanza Palpa Rodríguez, 56, que tem uma tenda para vender camisetas na entrada da favela.

Conta que já está no país há 17 anos. "Vim primeiro, depois mandei buscar meu filho, que agora já está na universidade, e eu me casei aqui. Estou feliz na Argentina", diz, sorridente.

Com ela concorda Liliana Alvarenga, 34, que veio do Paraguai há 20 anos, com a mãe. "Concordo que é preciso colocar um freio na entrada dos delinquentes", disse, enquanto abria sua pequena loja de doces e massas.

"Por outro lado, acho que isso aumenta o preconceito, sim. Há preconceito contra os estrangeiros. Minha experiência pessoal foi só a de enquadrar meu sogro", relata, dando risada, ao contar como foi conhecer a família do marido argentino. "Ele me disse ´paraguaiazinha´, de modo depreciativo, mas eu o enfrentei aí mesmo. A partir de então, nunca mais me disseram nada."

Sem falar nada de espanhol, o ganês Jackson Edward, 48, que é camelô e vende anéis e bijuterias, conta que chegou à Argentina durante o governo de Carlos Menem (1989-1999).

"Naquela época havia mais controle para entrar. Mas, por outro lado, tinha mais trabalho regular se você tinha os papéis em ordem. Hoje, a crise econômica está muito dura, é difícil ter um emprego de verdade e a gente tem de trabalhar assim na rua ou fazendo bicos."

Todas as manhãs, os peruanos Stálin e Júnior (não quiseram dar sobrenomes), empurram um carrinho cheio de artigos para vender no mercado da vila.

"Eu prefiro não sair daqui, porque na cidade há muito preconceito com os peruanos, principalmente com relação a nós, que somos mais morenos. Aqui tem bagunça também, tem que tomar cuidado para não se meter com gente errada. Quando eu cheguei, não conhecia bem como as coisas funcionavam, e tomei tiro, me esfaquearam. Agora estou com a cabeça no lugar. Me casei, trabalho e fico sempre na minha", explicou Stálin, 36.

É outro dos que acham que a lei é boa. "Não é que não quero que os meus compatriotas busquem uma vida melhor, mas é preciso parar de deixar os narcotraficantes entrarem. Eles é que fazem com que uma comunidade pacífica como essa fique perigosa", diz.

Já seu ajudante, Júnior, de apenas 12, disse não entender muito de política, mas acha que Macri "está imitando o Trump" e que "agora todo mundo vai querer colocar muros, não vai dar para parar isso aí e não é bom".

Contou que tem um primo que está nos EUA e que tem medo de que nunca mais vá poder ve-lo se "colocarem muro em todos os países". Mas comemora com um sorriso tímido: "por sorte, minha mãe está chegando amanhã do Peru. Ela foi visitar os parentes. Que bom que vai chegar aqui antes de fazerem um muro na fronteira da Argentina também".

Mesmo sem acompanhar muito o noticiário, o pequeno Júnior disse ter ouvido falar da sugestão feita pelo deputado Alfredo Olmedo, de Salta, de construir um muro na fronteira da Argentina com a Bolívia. "Isso seria um absurdo, tenho um monte de amigos bolivianos aqui na favela, não quero perdê-los."

REAÇÕES

As medidas de Macri têm apoio de representantes da oposição, inclusive dos peronistas. E também de boa parte da sociedade. Segundo pesquisa do instituto Poliarquía, 69% das pessoas ouvidas se mostram estar de acordo e outras 14% estão "muito de acordo".

Organismos de direitos humanos, como o CELS (Centro de Estudos Legais e Sociais) e a Anistia Internacional alertaram, porém, sobre o risco de que o pacote de restrições à imigração estigmatize os imigrantes.

A ex-deputada Myriam Bregman, líder do Partido dos Trabalhadores Socialistas, disse que o governo está tomando essas medidas para desviar a atenção da inflação. "Como são nulos os resultados na economia, a operação é clara, usar os imigrantes como bodes expiatórios e instalar uma agenda de debates reacionários, dando lugar à xenofobia e ao racismo."

Na última quinta (2), o presidente Evo Morales mandou, por Twitter, a seguinte mensagem: "presidentes latino-americanos, sejamos Pátria Grande, não devemos seguir as políticas migratórias do norte. Juntos por nossa soberania e nossa dignidade."

O governo boliviano também declarou que enviará à Argentina uma missão para "conhecer a situação dos residentes e os efeitos das novas medidas em suas vidas". A população boliviana no país é de 1 milhão de pessoas.


Endereço da página:

Links no texto: