Folha de S. Paulo


Após posse de Trump nos EUA, migrantes brasileiros miram Canadá

As incertezas na política migratória dos Estados Unidos após a chegada de Donald Trump à Presidência têm feito com que brasileiros que cogitavam se mudar para o país passem também a mirar seu vizinho ao norte, o Canadá.

Consultores especializados em migração relatam um aumento no interesse pelo Canadá desde a eleição do empresário, enquanto aspirantes a migrantes se dizem atraídos pela qualidade dos serviços públicos do país e suas políticas para atrair profissionais estrangeiros.

Mesmo antes da vitória de Trump, a migração brasileira para o Canadá já estava em alta. Segundo a agência canadense de imigração, refúgio e cidadania (CIC), 92,4 mil brasileiros pediram permissão para residir temporariamente no Canadá entre janeiro e setembro de 2016, e quase 90% das solicitações foram aprovadas.

O número é 10% maior do que o registrado no mesmo período do ano anterior e sobe pelo terceiro ano seguido, tendo alcançado 104,8 mil em 2015. Hoje brasileiros são a quarta nacionalidade com mais pedidos de residência temporária no Canadá, atrás de chineses, indianos e mexicanos.

Os dados englobam pedidos de vistos de estudante, permissão de trabalho e de residência temporária, solicitados por muitos como um primeiro passo no processo de mudança definitiva. O processo, porém, pode se arrastar por vários anos e não há garantias de sucesso, o que pode forçar os requerentes a ficar renovando a permissão temporária, permanecer no país ilegalmente ou voltar ao Brasil.

CAUTELA COM OS EUA

Natural de Governador Valadares (MG), terra natal de dezenas de milhares de brasileiros que moram nos Estados Unidos, o estudante de arquitetura Fernando Henrique Rodrigues diz ter a impressão de que hoje é mais fácil migrar para o Canadá do que para os Estados Unidos.

Ele diz ter parentes que moram nos Estados Unidos e lhe aconselharam a não se mudar para o país até que se conheçam os efeitos das novas políticas anunciadas por Trump.

Na primeira semana como presidente, o republicano ordenou a construção de um muro na fronteira com o México e a suspensão de verbas federais a cidades e Estados que se recusem a cooperar com a deportação de imigrantes. Trump também impôs restrições à entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana e proibiu a recepção de refugiados sírios.

As ações contrastam com a postura do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, que abriu as portas do país a cerca de 40 mil refugiados sírios desde que assumiu o cargo, no fim de 2015. No mesmo período, os Estados Unidos acolheram por volta de 13 mil sírios.

Após os anúncios de Trump e em clara resposta ao americano, Trudeau escreveu no Twitter que o Canadá daria as boas vindas "aos que fogem da perseguição, terror e guerra", e que os refugiados seriam acolhidos "independentemente de sua fé".

Bobby Yip - 06.set.2016/Reuters
Canadian Prime Minster Justin Trudeau attends a wreath laying ceremony at Sai Wan war cemetery, where some Canadian soldiers who died in World War Two were buried, in Hong Kong, China September 6, 2016. REUTERS/Bobby Yip ORG XMIT: HKG09
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, em visita à China

VISTO DE ESTUDANTE

Rodrigues, 22, pretende pedir um visto de estudante para terminar a graduação no Canadá, o que aumentaria as chances de conseguir uma permissão de residência. Ele planeja migrar com sua mulher, Gabriela, que cursa fisioterapia.

Mudar-se para o Canadá com um visto de estudante é um caminho usado por muitos brasileiros para se regularizar no país, diz Alexandre Luis Pedrosa, que fundou a agência Infovistos para assessorar aspirantes a migrantes.

Segundo Pedrosa, após a vitória de Trump houve um aumento de mais de 50% nas consultas sobre formas de se mudar para o Canadá, enquanto as demandas sobre os EUA quase desapareceram.

Ele diz que há dois caminhos principais usados por brasileiros que migraram para o Canadá –e que, segundo estimativa do Itamaraty, somam hoje cerca de 36,6 mil pessoas (o número não leva em conta residentes temporários que pleiteiam o status definitivo).

O primeiro é se cadastrar no programa federal de seleção de imigrantes, que avalia os requerentes por um sistema de pontos. Duas vezes por mês, os melhores colocados da lista são convidados a se mudar para o país como residentes.

As 10 províncias canadenses também mantêm sistemas próprios de seleção, que visam suprir as necessidades locais de mão de obra.

Pedrosa afirma que é dada preferência a profissionais altamente qualificados, que dominem inglês ou francês (as línguas oficiais canadenses) e que já tenham ofertas de emprego no país.

Para os demais, que são a maioria, a alternativa mais comum é pedir um visto de estudante para realizar algum curso de pós-graduação. Os estudantes podem trabalhar meio período e, ao concluir o curso, ganham pontos para solicitar a residência definitiva. Os cônjuges dos estudantes também podem trabalhar durante a temporada.

Ainda assim, o governo canadense costuma exigir que as famílias comprovem ter recursos para custear os estudos e a permanência, o que acaba filtrando os pedidos e favorecendo quem tem mais dinheiro. Segundo a assessora Maria João Guimarães, os gastos de um casal com estudos e despesas do dia a dia giram em torno de 45 mil dólares canadenses (aproximadamente R$ 107 mil) ao ano.

Guimarães, que desde 1994 assessora brasileiros que desejam migrar para o Canadá, afirma que seus serviços vêm sendo bastante requisitados desde a reeleição de Dilma Rousseff, no fim de 2014, e o agravamento da crise econômica no Brasil.

Ela afirma que muitas pessoas que a procuram não têm o sonho de migrar para o Canadá, mas optam pelo país porque outras nações –como os EUA– adotam políticas migratórias ainda mais restritivas.

"Muitos são pessoas que perderam o emprego no Brasil e estão meio perdidas. Por ser um país seguro e de primeiro mundo, o Canadá é visto como uma aposta menos arriscada", diz Guimarães.

A assessora diz que entre os brasileiros que buscam o Canadá também há migrantes que viviam nos Estados Unidos, voltaram ao Brasil e não conseguiram retornar aos EUA por terem ficado irregulares ou terem tido problemas com a Justiça americana.

Esses, segundo ela, optam pelo Canadá por considerá-lo um país culturalmente parecido com os EUA e onde podem levar um estilo de vida semelhante ao que tinham na nação vizinha.

Ela afirma, no entanto, que o governo canadende é rigoroso ao analisar os pedidos de residência, e que brasileiros com menos escolaridade devem buscar regiões menos badaladas para terem alguma chance.

Antes, diz Guimarães, brasileiros só queriam migrar para Montreal, Québec, Toronto e Ottawa, as maiores cidades canadenses.

Hoje, ela diz que vários buscam London, Edmonton e Winnipeg, que são menos disputadas mas têm invernos muito rigorosos –as duas últimas cidades costumam ficar cobertas de neve por mais de quatro meses ao ano e registrar temperaturas de até 40 graus negativos.

QUALIDADE DE VIDA

Em alguns casos, os aspirantes a migrantes planejam a mudança para o Canadá com anos de antecedência. Aluno de engenharia civil na Universidade Federal do Ceará, Moisés Gomes de Holanda, 22, já começou os preparativos para se mudar para o Canadá daqui a cinco anos, após se graduar e concluir um mestrado.

Holanda, que morou em Washington como bolsista do programa Ciência sem Fronteiras, diz que também considerou migrar para os EUA, mas se decidiu pelo Canadá por acreditar que o país oferece melhores serviços públicos, como acesso gratuito à saúde.

"Quem considera a falta de qualidade de vida e a insegurança econômica do Brasil busca a oportunidade de ir a outros países. Dentre eles, o Canadá é hoje a melhor opção", afirma.


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