Folha de S. Paulo


Antes festejado, presidente mexicano Peña Nieto sofre ao lidar com Trump

A gestão de Enrique Peña Nieto, 50, à frente do México não vem sendo fácil desde a campanha eleitoral, no final de 2011.

O advogado, então governador do Estado do México, não era uma unanimidade nem em seu próprio partido, o histórico PRI (Partido Revolucionário Institucional), que havia governado o país por mais de 70 anos, até perder o posto para o conservador PAN (Partido da Aliança Nacional), em 2000.

Parte dos priístas preferiam um nome mais vinculado à velha guarda do partido. Já outra ala achava que, justamente por ser jovem, midiático, ter fama de pragmático e um discurso nacionalista moderado e mais pró-mercado, Peña Nieto seria uma melhor aposta.

11.jan.2017/Xinhua
O presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, durante discurso no Palácio Nacional em janeiro
O presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, durante discurso no Palácio Nacional em janeiro

Os meses que precederam a eleição foram cheios de dificuldades. Primeiro, Peña Nieto irritou a esquerda, que governa a Cidade do México, por não colocar na agenda de campanha uma solução para o combate ao narcotráfico que passasse por um debate sobre a legalização de algumas drogas.

Depois, surgiu um dossiê obtido pelo jornal "The Guardian" que mostrava contratos da gigante Televisa (proprietária de 4 das 6 emissoras públicas do México) com funcionários do PRI que expunham uma campanha do conglomerado para fazer o elogio à figura de Peña Nieto.

Nas semanas anteriores à votação, era possível observar diariamente marchas anti-Peña Nieto, organizadas pelo movimento de jovens "#yosoy132" a caminho do Zócalo, na capital mexicana. A Folha presenciou, nessa época, um imenso "abraço" realizado por uma multidão à sede da Televisa, em protesto por sua intromissão nas eleições.

Nada disso, porém, teve efeito. Predominou o voto do interior, onde o PRI jamais havia perdido influência e ainda governava a maioria dos Estados. Ali, prevaleceu a ideia de que Peña Nieto teria uma alternativa para o tema da violência entre os cartéis.

Havia um consenso entre a população do interior que a "guerra ao narcotráfico" do PAN, que militarizou o combate, era a responsável pelas então cerca de 60 mil mortes, segundo dados oficiais.

Esperava-se que o PRI adotasse, quanto ao tema, uma abordagem antiga, a de conchavos com milícias locais e de certa vista grossa para o tráfico, para que, pelo menos, as mortes por delimitação de territórios usando cadáveres de civis e a extorsão de camponeses se reduzissem.

Viajando pelo interior do país, a Folha constatou que predominava um discurso nostálgico que dizia que "na época do PRI havia narcotráfico, mas não guerra nem mortes".

COMEÇO DO GOVERNO

A margem pela qual Peña Nieto venceu as eleições de julho de 2012, porém, de pouco mais de 6 pontos percentuais (38,15% contra o esquerdista López Obrador, com 31,64%), deixou claro que sua vida não seria fácil.

Num primeiro momento, o presidente recebeu amplo apoio internacional. Entre suas bandeiras de campanha estavam um aprofundamento da relação de comércio bilateral com os EUA e do Nafta (tratado de livre comércio entre EUA, México e Canadá), além de uma reforma energética que privatizaria parte da exploração de petróleo, prometendo abrir o país para o investimento estrangeiro no setor energético.

Tanta era a festa em torno dele, que Peña Nieto foi parar na capa da revista "Time", que titulava, sobre seu retrato, "Saving México" (salvando o México).

Internamente, a própria oposição saudou seus primeiros gestos, como o de formar o "Pacto por México", uma aliança entre os partidos de oposição para garantir uma base no Congresso —no qual não tinha maioria— que permitisse reformas na Constituição.

Também elogiadas a princípio foram suas reformas trabalhistas e na área da educação —nesta, enfrentou um dos mais antigos sindicatos e levou à Justiça sua líder, Elba Esther Gordillo, sobre quem pousavam acusações de desvios de verbas públicas.

A lua de mel, porém, durou pouco.

O problema da violência causada pelo combate aos cartéis já se mostrava em estágio tão avançado que as medidas de Peña Nieto não chegaram a dar resultado.

Entre elas estava a criação de uma "gendarmeria" nacional composta por forças regionais, que conhecessem melhor os locais e as rotas transitadas pelos narcotraficantes, e um acordo de regularização de grupos de "autodefensas", milícias de cidadãos.

Peña Nieto focou sua ação na prisão dos chefões da droga, como o "La Tuta", líder dos Cavaleiros Templários, e o lendário "Chapo", do cartel de Sinaloa. Só que, apesar de cinematográficas, essas detenções não tiveram impacto no comércio de drogas e na violência porque os cartéis foram mais rápidos.

Usando uma estratégia de diluir o comando em sub-estruturas e mudar rapidamente de nome e de localização, conseguiram escapar das forças de inteligência.

Ao fim de 2016, os números mostraram uma clara derrota do governo. A guerra às drogas hoje já acumula mais de 80 mil vítimas, os homicídios relacionados ao delito aumentaram em 18% e o tráfico para os EUA não apenas aumentou como se diversificou —hoje não apenas se exporta cocaína, mas também heroína e até remédios de comercialização regulamentada nos EUA mas que desembarcam de forma clandestina no México vindos da China.

O sinal mais claro de que a estratégia de Peña Nieto era equivocada ocorreu em 26 de setembro de 2014, quando um grupo de 43 estudantes de uma escola rural de Ayotzinapa, no Estado de Guerrero (um dos mais pobres do país), ganhou imensa projeção internacional.

Ainda não se chegou à um veredicto sobre o que aconteceu, mas as evidências encontradas levaram o próprio governo a admitir que as mortes haviam sido cometidas com anuência de autoridades e da polícia locais, ainda que executadas por narcotraficantes.

Ficou exposta, então, pela primeira vez, a verdadeira raiz do problema da droga no México: o fato de que o narcotráfico estava por trás das campanhas eleitorais e, portanto, tinha imensa influência nas ações dos governos regionais.

As multidões foram às ruas com cartazes com os rostos dos garotos, que ainda hoje podem ser vistos pendurados em vários centros urbanos, como no Paseo de la Reforma, principal via da Cidade do México.

Peña Nieto teve sua imagem ainda mais desgastada quando equipes forenses independentes estrangeiras que foram ao México para ajudar nas buscas desmentiram a versão oficial —a de que os estudantes haviam sido queimados num lixão na localidade de Cocula.

ECONOMIA

Peña Nieto começou bem na economia, com o país crescendo 4%, a reforma energética exitosa e com um investimento pesado num pólo tecnológico no centro do país.

A região de Aguas Calientes, Querétaro, Nuevo León e Puebla, visitada pela Folha em 2014, dava a sensação de que o país havia entrado com os dois pés no Primeiro Mundo.

Ali, foram implementadas plantas de empresas montadoras de automóveis, peças, aviões e outros produtos. A maioria delas, norte-americana, asiática ou europeia —General Motors, Ford, Chrysler, Honda, Mazda, Nissan e Bombardier, entre outras.

Novas universidades e institutos foram criados ali para formar a mão de obra necessária. Nas cidades próximas, a população crescia, não só com mexicanos de outras partes do país, como também de norte-americanos e centro-americanos, em busca de empregos. O centro de antigas vilas coloniais se transformou em pequenas capitais cosmopolitas em que se podiam ouvir vários idiomas.

Mais de 80% do que se produzia ali era destinado aos EUA e ao Canadá, e partia com a benção do Nafta para entrar nesses países do norte sem pagar impostos.

Todo esse ecossistema é o que hoje está em suspense depois da posse de Trump. Algumas dessas empresas estrangeiras já deixaram o país e outras ensaiam fazê-lo.

Recém-eleito, em 2012, Peña Nieto deu uma entrevista à Folha em que, perguntado sobre a relação do México com o resto da América Latina, dizia: "Pela proximidade e pelo volume, nossa relação com os EUA é prioritária, mas tem sido um erro menosprezar as relações com o resto do continente. Pretendo que o México olhe mais para o sul."

O que Peña Nieto apenas "pretendia", em 2012, pode se transformar em uma necessidade urgente a partir de agora.

CORRUPÇÃO

Logo depois do caso Ayotzinapa, que já havia feito a aprovação de Peña Nieto despencar da casa dos 50% para a dos 41%, surgiram os primeiros episódios de corrupção envolvendo membros do governo.

Não apenas ministros foram acusados de comprar, a preços módicos, propriedades caríssimas por meio de empresas que se beneficiaram em concursos de licitação de obras públicas, como a própria mulher do presidente, a atriz Angélica Rivera.

Num vídeo que viralizou nas redes e causou constrangimento nacional, Rivera explica que a compra da milionária "Casa Blanca", uma propriedade de US$ 7 milhões, tinha sido feita com o dinheiro que ela recebera com seu trabalho. Acontece que os mexicanos sabiam que, como atriz de telenovelas de segundo escalão da Televisa, era impossível juntar esse montante.

O próprio Peña Nieto, então, se desculpou e a prometer medidas anticorrupção.

Mas o ápice dos desconfortos do mandatário com relação ao tema ocorreu no ano passado, quando o governador de Veracruz, Javier Duarte, também do PRI, a meses de completar seu mandato e tendo de responder à Justiça por desvio de verbas públicas, simplesmente desapareceu.

A população de Veracruz até hoje faz piadas, distribuindo pelas ruas cartazes ao estilo faroeste dizendo "busca-se Duarte, vivo ou morto". Mas o fato é que nem Peña Nieto sabe dizer onde o governador foragido foi parar.

TRUMP E A GASOLINA

A mais recente crise que Peña Nieto enfrenta tem duas frentes. Internamente, o presidente teve de reconhecer que sua reforma energética não resultou em benefícios à população. As tarifas em geral não caíram e o México não se tornou independente nesse setor.

Na virada do ano, um novo desgaste surgiu do aumento de 20% no preço dos combustíveis. Houve quebradeiras, confrontos com a polícia e seis mortos.

Como se não bastassem as dores-de-cabeça internas, surge a figura de Donald Trump.

A primeira medida, ainda durante a campanha do republicano, já havia causado uma onda de revolta no país.

Trump, que vinha chamando os mexicanos de "estupradores" e "narcotraficantes", foi convidado por Peña Nieto a visitar o país. A estratégia era iniciar um diálogo que prevenisse a fúria de Trump contra os investimentos de empresas norte-americanas no México e a entrada de imigrantes nos EUA.

O resultado foi que Trump humilhou Peña Nieto ao dizer publicamente, na entrevista que deram após o encontro, que os EUA iriam exigir que o México pagasse pelo muro. Peña Nieto não contestou imediatamente.

Apenas horas mais tarde, postou em uma rede social, timidamente, mensagem dizendo que não havia "repetido" que não pagaria o muro porque já havia dito antes, logo que se cumprimentaram.

Mas o dano estava causado, e os mexicanos voltaram às ruas, pedindo a renúncia do presidente.

Agora, com Trump eleito, Peña Nieto se vê sob intensa pressão. O novo ocupante da Casa Branca de fato assinou decretos para dar andamento ao muro e para forçar a deportação de imigrantes ilegais.

Num momento tardio de sua gestão, Peña Nieto, agora com apenas 12% de aprovação popular, pela primeira vez fez algo em que foi apoiado quase que por unanimidade por seus compatriotas.

Recusou-se a comparecer à reunião marcada na semana passada com Trump e disse, em mensagem gravada em alto e bom som, que "o México não pagará pelo muro" que o americano quer erguer na fronteira.

Restam ainda dois anos de mandato ao presidente mexicano. Em seu horizonte imediato, a tarefa de lidar com Trump e de conter a explosão social pelas reformas falidas e do aumento da violência.

Enquanto isso, começa a corrida eleitoral de 2018, em que o PRI se vê perdendo espaço enquanto, nas pesquisas, López Obrador, com seu perfil populista e nacionalista de esquerda, dispara à frente dos outros postulantes.

Depois de ter perdido duas eleições em parte por ter um discurso um tanto radical, o tom de López Obrador começa a soar apropriado para tempos como estes.

Editoria de Arte/Folhapress
O MURO DE TRUMP - Contra imigrantes e drogas, republicano quer erguer barreira na fronteira com o México

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