Folha de S. Paulo


'Brexit': o que a derrota judicial do governo significa para a saída da UE

PA/BBC
Saída do Reino Unido da União Europeia tem obstáculo legal
Saída do Reino Unido da União Europeia tem obstáculo legal

A Suprema Corte britânica decidiu nesta terça-feira (24), por 8 votos a 3, que o governo do Reino Unido terá que consultar o Parlamento para iniciar o processo de saída da União Europeia (UE), o "brexit".

A mais alta instância da Justiça britânica decidiu que a primeira-ministra, Theresa May, não tem poder para iniciar o rompimento com o bloco de 28 nações sem o aval do Legislativo, acolhendo os argumentos de uma ação judicial que alegava inconstitucionalidade. A ação era coletiva e uma das pessoas que a moveram foi o cabeleireiro brasileiro Deir dos Santos –que também tem o passaporte britânico e trabalha em um salão em Londres.

"A corte decidiu hoje que os direitos do Reino Unido em relação à UE foram dados pelo Parlamento e só por ele podem ser tirados. Essa decisão é uma vitória para a democracia e o cumprimento da lei", disse, em um pronunciamento na porta do tribunal, David Green, advogado de Deir.

Já a economista Gina Miller –que, ao contrário de Deir, falou publicamente sobre sua cruzada legal– disse que a decisão permitirá que o processo de saída "tenha o melhor curso negociado". Ela fez referência especificamente ao resultado bastante apertado do plebiscito do ano passado.

"Não há dúvidas de que o 'brexit' é o assunto mais divisivo em gerações. Os deputados agora poderão usar sua experiência e expertise para ajudar o governo nas negociações", disse ela.

A primeira reação do governo veio por intermédio do procurador-geral, Jeremy Wright, que expressou a decepção do governo com a decisão da Corte, mas prometeu obediência. Wright, porém, disse que os juízes "politizaram o assunto".

"A Corte foi clara ao dizer que não queria reverter o 'brexit', mas o assunto agora será mais político do que legal".

Porém, a decisão da Suprema Corte britânica sobre o processo de saída do Reino Unido da UE tem uma importância muito mais simbólica do que legal. Na teoria, o Parlamento pode votar contra o processo. Na prática, porém, a história poderá ser bem diferente.

É a primeira vez desde a criação da Suprema Corte, em 1876, em que todos os 11 juízes votam em uma decisão.

A batalha judicial –o governo tinha sido instruído pela Alta Corte (instância inferior à Suprema Corte) a ouvir o Parlamento, em outubro do ano passado, mas recorreu– mostra o quão complexo é o chamado "brexit", um processo deflagrado pelo plebiscito de junho, em que a decisão de deixar a UE saiu vencedora, ainda que por uma pequena margem de votos (52% a 48%).

Um resultado que derrubou o então premiê, David Cameron, e iniciou uma era de incerteza tanto em Londres quanto Bruxelas –a sede administrativa da UE.

VOX POPULI?

Desde a vitória do "brexit" nas urnas, há um intenso debate sobre como o Reino Unido deve iniciar o processo de partida. Theresa May quer iniciar o processo invocando o Artigo 50 do Tratado de Lisboa (a constituição da UE), que trata especificamente da possibilidade de secessão de um dos seus integrantes.

A primeira-ministra não acredita que precisa de aval do Parlamento, alegando que o cargo lhe dá poderes especiais e que o resultados das urnas era um mandato suficiente. Mas há uma série de vozes em contrário, em especial entre seus colegas parlamentares –enquetes na época do plebiscito indicaram que pelo menos 450 dos mais de 600 deputados eram a favor da permanência do país na UE.

O argumento de quem defende o aval parlamentar é que o "brexit" é uma decisão que terá profundos desdobramentos na vida dos britânicos. Incluindo na Escócia e na Irlanda do Norte, países em que as populações votaram contra o "brexit", e cujos governos querem influenciar as condições de saída.

Por sinal, o governo da Escócia, comandado pela premiê Nicola Sturgeon, ameaça iniciar um novo processo de independência –houve um plebiscito em 2014– como forma de pressionar Londres.

NOVAS LEIS

A decisão da Suprema Corte forçará May e o governo a aprovar uma legislação especial para conduzir o "brexit".

Apesar da aparente oposição por parte até de deputados do Partido Conservador, governista, é improvável que o Legislativo bloqueie o processo, até porque o governo tem maioria na Câmara dos Comuns. E Jeremy Corbyn, o líder do Partido Trabalhista, a principal força de oposição, ordenou que sua bancada dê apoio ao governo.

Pode parecer estranho, já que o próprio Corbyn defendeu a opção por permanecer na UE durante campanha do plebiscito, mas o fato é que os trabalhistas viram o "brexit" triunfar em alguns de seus principais redutos eleitorais e correm o risco de perder espaço nas eleições gerais de 2020 se criarem muitos problemas para May. O próprio Corbyn disse que a decisão do plebiscito deveria ser respeitada.

O plano do governo é iniciar as negociações formais de saída no final de março, mas esse cronograma agora depende muito mais do Parlamento. Quando acionar o Artigo 50, o Reino Unido não poderá voltar para a UE sem a aprovação unânime dos outros integrantes do bloco.


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