Folha de S. Paulo


Notícia falsa sobre Hillary Clinton rendeu US$ 5.000 a universitário

Era o início do outono americano, e Donald Trump, em desvantagem nas pesquisas, parecia preparar um argumento para apresentar no caso de um vencedor como ele acabar perdendo.

"Acho infelizmente que a eleição vai ser manipulada", disse o republicano a uma multidão já agitada em Ohio. Trump disse que andava ouvindo "mais e mais" sobre provas de manipulação eleitoral, deixando os detalhes a cargo da imaginação de seus partidários.

Gabriella Demczuk/The New York Times
O universitário Cameron Harris trabalha em sua casa; ele ganhou US$ 5.000 com notícia falsa
O universitário Cameron Harris trabalha em sua casa; ele ganhou US$ 5.000 com notícia falsa

Algumas semanas mais tarde, Cameron Harris, universitário recém-formado, dotado de interesse na política republicana de Maryland e necessitado de dinheiro, preencheu as lacunas que Trump deixara em aberto.

Harris começou por redigir a manchete: "Dezenas de milhares de votos fraudulentos para Hillary encontrados em depósito do Ohio". Ele calculou que fazia sentido situar a descoberta chocante no mesmo Estado em que Trump tinha falado sobre as eleições "manipuladas".

"Eu tinha uma teoria quando me sentei para escrever o texto", recordou Harris, 23 anos, líder de uma irmandade estudantil. "Em vista da desconfiança profunda com que a mídia é vista pelos apoiadores de Trump, qualquer coisa que reiterasse os argumentos de Trump seria bem acolhida."

No momento em que Trump assume a Presidência, beneficiário de um reforço eleitoral pelo menos modesto vindo da enxurrada de notícias falsas, Harris e seu site de notícias falsificadas, ChristianTimesNewspaper.com, formam uma história esclarecedora.

Contatado por um repórter que descobrira uma pista eletrônica que revelou sua autoria secreta, Harris inicialmente se mostrou resistente, não gostando de ter sido desmascarado.

Depois acabou concordando em narrar a história, um trabalho que ele calcula que lhe rendeu cerca de US$1.000 por hora em receita publicitária na web. Aparentemente, ele enxergou a experiência com um misto de culpa por ter difundido falsidades e orgulho por sua habilidade.

Naquela noite em setembro, Harris se perguntou: quem poderia ter encontrado as supostas cédulas de voto favoráveis a Hillary? Ele então inventou a figura de "Randall Prince, operário eletricista da região de Columbus".

Esse homem comum entrara num cômodo pouco usado nos fundos do depósito e tropeçara em caixas empilhadas de cédulas previamente marcadas em favor de Hillary, decidiu.

Harris achou que uma foto ajudaria a eliminar quaisquer dúvidas quanto à sua história. Fazendo uma rápida pesquisa por imagens de "urnas", ele encontrou uma foto de um sujeito semicareca atrás de uma pilha de caixas de plástico preto rotuladas como "urnas".

Era uma foto do "The Birmingham Mail" mostrando uma eleição britânica, a 6.000 km de Columbus, mas isso não tinha importância. Na legenda criada por Harris, o britânico ganhou nome novo: "O Sr. Prince posa com as urnas que encontrou".

O artigo explicava que "a campanha de Hillary provavelmente pretendia incluir as urnas falsas com as verdadeiras quando estas fossem enviadas aos juízes eleitorais no dia 8 de novembro".

Harris deu um clique e a história foi lançada, em 30 de setembro, percorrendo a internet em alta velocidade.

Promovida por meia dúzia de páginas no Facebook que Harris criou para essa finalidade, o artigo sobre as urnas falsas se espalhou, alimentado por comentários indignados de pessoas certas de que Hillary ia roubar a vitória de Trump. Ele acabou sendo compartilhado por 6 milhões de pessoas.

No dia seguinte, o conselho eleitoral do condado de Franklin, em Ohio, anunciou que iria investigar. Em questão de dias o secretário de Estado do Ohio, Jon Husted, refutou a denúncia.

Em poucos dias a história, que lhe levara 15 minutos para criar, lhe valera cerca de US$ 5.000 —uma parte considerável dos US$ 22 mil que ganhou durante a campanha presidencial. Harris trabalhou meia hora por semana no site, formando um total de 20 horas.

Perguntado se se sente culpado por ter difundido mentiras sobre uma candidata, Harris justificou-se dizendo que a política é por sua natureza cheia de meias verdades e mentiras descaradas. "Praticamente nada que uma campanha ou um candidato dizem é completamente verdade."


Endereço da página:

Links no texto: