Folha de S. Paulo


Últimos dias de Barack Obama têm um anúncio atrás do outro

Faltando apenas alguns dias para a posse de Donald Trump, departamentos de polícia de Chicago e Baltimore vão passar por revisões federais, os cubanos deixaram de ter uma via fácil para o direito de permanência nos Estados Unidos, e novos monumentos aos direitos civis serão erguidos no Alabama e na Carolina do Sul.

Ainda estão em andamento enquanto acontece a contagem regressiva para o fim da Presidência de Barack Obama : uma libertação negociada de reféns americanos no Afeganistão, outra lista longa de reduções de sentenças de prisão de condenados por delitos não violentos envolvendo drogas, e uma série de nomeações para comissões e conselhos federais pouco conhecidos, mas importantes.

Nicholas Kamm - 10.jan.2017/AFP
US First Lady Michelle Obama (C) and US President Barack Obama wave to supporters as daughter Malia looks on after the President delivered his farewell address in Chicago, Illinois on January 10, 2017. Barack Obama closes the book on his presidency, with a farewell speech in Chicago that will try to lift supporters shaken by Donald Trump's shock election. / AFP PHOTO / Nicholas Kamm
Barack Obama, ao lado de sua mulher, Michelle, e sua filha Malia em discurso em Chicago

E, desafiando o repetido questionamento por Trump quanto ao valor da Otan (aliança militar ocidental) para os Estados Unidos, considerando seu custo para o país, tanques americanos começaram a entrar na Polônia na quinta-feira (19), cumprindo uma promessa de Obama de ajudar países do leste europeu a fazer frente ao presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Os últimos momentos de Obama na Casa Branca estão sendo preenchidos por um anúncio após outro, todos visando concluir esforços que vinham sendo planejados havia muito tempo, antes de os membros de sua administração desligarem seus computadores, apagarem as luzes e deixarem suas salas de trabalho pela última vez.

Michael Brune, o diretor executivo da organização ambiental Sierra Club, elogiou Obama por ter conferido a três locais o status de sítios de direitos civis, garantindo seu reconhecimento e proteção "dias apenas antes de Donald Trump tomar posse".

Obama ainda não anunciou nenhum perdão inesperado, embora tenha todo o direito de exercer esse poder até seu último dia na Presidência, como o presidente Bill Clinton perdoou o sonegador fiscal Marc Rich.

Ao mesmo tempo, porém, algumas coisas já estão fora do alcance de Obama. A lei federal não lhe permite libertar mais detentos de Guantánamo desde que quatro outros foram soltos, em 5 de janeiro. Não há mais tempo hábil para concluir a estrutura jurídica para regular as emissões de aeronaves. E funcionários do governo dizem que não há mais monumentos ou parques federais a serem protegidos antes da transferência de poder.

Visto como um todo, contudo, a corrida lançada pela administração no final do mandato de Obama para concluir iniciativas pendentes representa uma irritação extra para Trump e membros de sua equipe de transição, que contam os minutos ansiosamente para chegar ao poder.

"São as ações de alguém que não está plenamente satisfeito com o que conseguiu realizar", disse o pesquisador republicano Frank Luntz. "Esta é a última chance de Obama de fazer algumas coisas pequenas."

Jason Miller, porta-voz da equipe de transição de Trump, descreveu as iniciativas de Obama como "excessos executivos", algo que, segundo ele, "não tem sido um problema apenas nos últimos oito dias, mas nos últimos oito anos, abrangendo desde anistias ilegais e anticonstitucionais até regulamentação onerosa que prejudica pequenas empresas".

Funcionários da administração Obama disseram que não estão apressando iniciativas para passar por cima dos processos burocráticos habituais, devido à chegada iminente de Trump à Casa Branca. Na maioria dos casos, eles disseram, os esforços tinham começado muito antes de ser conhecido o resultado da eleição presidencial.

Mas eles reconhecem que, quando a administração Trump assumir o poder, muitas das prioridades de Obama terão sido alcançadas.

"A administração vem fazendo um esforço concentrado para concluir obras e iniciativas importantes iniciadas meses ou até anos atrás", disse Patrick Rodenbush, um porta-voz de Obama. "Essas iniciativas foram amplamente avaliadas e são coerentes com as prioridades que este governo vem implementando nos últimos oito anos."

Boa parte dessas "obras e iniciativas importantes" está sendo implementada numa onda de atividade intensa.

Na sexta-feira (13), o Departamento de Justiça divulgou as conclusões de uma investigação de 13 meses sobre alegações de que o Departamento de Polícia de Chicago teria usado de força excessiva de modo rotineiro. O relatório concluiu que a força de Chicago violou sistematicamente os direitos civis da população.

A divulgação do documento foi acompanhada por um acordo negociado com a prefeitura de Chicago, prevendo a busca de uma solução do problema. Um acordo semelhante foi fechado na quinta-feira em Baltimore, com representantes do Departamento de Justiça correndo para concluir o trabalho antes da posse de Trump na sexta-feira (20).

O Departamento de Justiça de Trump, que provavelmente será liderado pelo senador Jeff Sessions, do Alabama, ainda poderá tomar medidas para enfraquecer os esforços federais de efetuar mudanças nas polícias. Mas, com os acordos já fechados, autoridades dizem que Sessions, que já se manifestou contra revisões federais de departamentos de polícia, terá que trabalhar ativamente se quiser reverter atos passados.

A secretária da Justiça, Loretta Lynch, disse que o anúncio em Chicago desencadeou um processo que vai continuar, "independentemente de quem estiver no comando do Departamento de Justiça".

Na noite de quinta-feira (12), Obama revogou uma política, em vigor há duas décadas, que autorizava cubanos a permanecer nos EUA como residentes legais sem obter vistos. É uma mudança pedida havia muito tempo pelo governo cubano.

A eliminação da chamada política de "pés secos, pés molhados", que datava de 1995, significa que os cubanos que chegam ilegalmente aos Estados Unidos não serão mais autorizados a permanecer e eventualmente poder pedir residência permanente legal. Ela se dá como parte dos esforços de Obama para normalizar as relações e restabelecer os laços diplomáticos com Cuba.

E, também na quinta-feira, Obama criou três novos monumentos nacionais para honrar a luta pelos direitos civis nos EUA. Ele conferiu o status de Monumento Nacional dos Direitos Civis ao histórico Motel A.G. Gaston, em Birmingham, Alabama; identificou quatro sítios em Alabama que serão reconhecidos como o Monumento Nacional da Era da Reconstrução, e criou o Monumento Nacional Freedom Riders na estação de ônibus Greyound onde os ativistas dos direitos civis conhecidos como Freedom Riders foram atacados na primavera de 1961.

Obama também ampliou dois monumentos nacionais no oeste do país, protegendo mais áreas de importância cultural, histórica e ambiental no Oregon e na Califórnia. As duas iniciativas podem desagradar aos adversários do controle federal sobre terras do oeste do país.

Mesmo assim, faltando menos de uma semana para Obama deixar a Presidência, sua administração ainda não concluiu o que pretende fazer.

Funcionários da Casa Branca disseram que provavelmente haverá pelo menos mais uma leva de comutações de sentenças de prisão, com o presidente procurando avaliar um acúmulo de casos atrasados de condenados –em sua maioria rapazes de minorias raciais– por delitos menores envolvendo drogas.

Tradução de CLARA ALLAIN


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