Folha de S. Paulo


No 2º maior campo de refugiados, na Jordânia, sírios esperam fim da guerra

Carros, bicicletas e pessoas brigam por um espaço na principal rua do campo de refugiados de Zaatari, no norte da Jordânia.

Sem calçada e com o asfalto tomado por terra, a via acumula fileiras de lojas feitas de madeira em ambos os lados, ofertando os mais variados produtos: sapatos, comidas, adaptadores de tomada, vestidos de festa. Alguns novos, outros já bem usados.

Muhammad Hamed - 30.nov.2016/Reuters
Syrian refugees ride bicycles on the main street of Al Zaatari refugee camp in Jordan, near the border with Syria, November 30, 2016.
Refugiados sírios andam de bicicleta na rua principal do campo de Zaatari, no norte da Jordânia

Montado há quatro anos e meio, no meio do deserto, o vilarejo mantém um dinamismo que quase faz esquecer que ali está o segundo maior campo de refugiados do mundo e o maior a receber vítimas da guerra da vizinha Síria, que dura quase seis anos e provoca a maior crise humanitária desde a Segunda Guerra (1939-1945).

Ao contrário do que ocorreu com outros campos de refugiados, como o de Calais, na França, e Idomeni, na Grécia, ambos fechados em 2016, Zaatari dá sinais de que perdurará por um longo período.

Mesmo com a fronteira com a Síria fechada há meses e com a construção de mais dois campos de refugiados na Jordânia, Zaatari abriga cerca de 80 mil pessoas e se assemelha a uma cidade.

As tendas e estruturas metálicas cedidas pela ONU ganham novos cômodos, "puxadinhos" feitos pelos refugiados para melhor acomodar a família.

"Era muito difícil usar banheiro e cozinha comunitários. Eu brigava bastante com meu marido, pedia pra voltar pra Síria", conta Yasmeen Juma'a, 24, que está no campo há quatro anos e agora tem fogão, geladeira, televisão e máquina de lavar roupas.

O abastecimento de água e luz é regular. Caminhões-pipa abastecem reservatórios e a energia é ligada todas as noites, por cerca de seis horas.

Meninos e meninas alternam os períodos de aula nas escolas e lotam parques e quadras durante feriados e finais de semana.

Um dos hospitais mostra em sua entrada o total de partos já realizados. Mais de 6.000 novos sírios, nascidos já como refugiados.

BENEFÍCIOS

Sem trabalho, recebem ajuda de custo a cada 45 dias. O valor varia de acordo com o perfil de cada família.

Fatma al-Ahmed, 35, que vive em Zaatari desde agosto de 2013 com o filho de 12 anos, por exemplo, recebeu 40 dinares jordanianos —cerca de R$ 182— no dia em que conversou com a reportagem. "Vai dar só para açúcar, chá, óleo, comida mesmo."

Algumas pessoas conseguem complementar a renda com negócio próprio, trabalhos temporários em ONGs ou em fazendas da região.

Para isso, a administração do campo concede visto de trabalho para que seja possível sair e voltar todos os dias.

Apesar disso, o dia a dia da maior parte dos adultos se resume a esperar. Alguns, pelo fim da guerra na Síria, outros, pela possibilidade de seguir para outro país —e há ainda quem só espere, sem objetivo claro. "É uma vida entediante", diz Aedl Toqan, 30, no campo há três anos com a mulher e quatro filhos —dois nascidos em Zaatari.

CERCADOS

Localizado próximo à estrada que liga a Jordânia ao Iraque, o campo é quase todo cercado. Muros cinzas e grafitados com cores berrantes se alternam com grades, sempre com arame farpado no topo.

Mesmo no interior do campo, novas cercas aparecem para separar a área administrativa, escolas, hospitais e os centros de distribuição.

Muhammad Hamed - 30.nov.2016/Reuters
Crianças sírias brincam no campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia, o 2º maior do mundo
Crianças sírias brincam no campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia, o segundo maior do mundo

A principal janela que os refugiados tinham para o resto do mundo não funciona desde fevereiro do ano passado. Sem internet, meninos passam horas perto de muros que separam a área administrativa, com celulares, tentando um pouco de sinal.

Segundo um guarda do local, o bloqueio acontece por questão de segurança, para evitar que sejam passadas informações do campo a membros da facção terrorista Estado Islâmico.

TEMPORÁRIO

Era maio de 2013. Fatma al-Ahmed não sabe o dia exato, lembra apenas que uma bomba foi lançada sobre a casa em que vivia com os pais na vila de Al-Ghouta, próximo ao aeroporto de Damasco.

Ao todo, 21 parentes morreram. "Minha mãe, duas irmãs, um irmão, 11 dos nossos primos..." Ela tinha saído para comprar pão com uma das irmãs. Quando voltou, não encontrou nada.

Fatma é um dos 4,8 milhões de sírios que deixaram o país desde o início da guerra civil, em 2011. Chegou ao campo de Zaatari em agosto de 2013.

A ideia de Fatma era ficar em torno de dois meses no país vizinho. Agora, ela não vê expectativa de voltar e parentes que ficaram para trás, como o pai, querem se juntar a ela.

Aedl Toqan, 30, repetiu diversas vezes para a mulher, Yasmeena, no dia em que deixaram sua casa, que voltariam em 15, talvez 20 dias. Eles estão há quatro anos no campo.

Kamal Meseelem, 27, decidiu ir à Jordânia em busca de tratamento após ser ferido durante um ataque. Hoje, se preocupa com a mãe e os dez irmãos, que ficaram para trás. Seu objetivo é encontrar um país para se instalar, já que a Síria não é mais uma opção.


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