Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Afastar-se de Cuba não vai beneficiar Donald Trump

O momento é de ansiedade e incertezas para Cuba. Sua economia conturbada caminha em direção a uma crise. Sua política se encontra em uma encruzilhada crítica, com a morte de Fidel Castro e a inesperada aposentadoria de Raúl Castro no início do próximo ano; juntos, eles comandaram a ilha com mão de ferro por quase 60 anos.

E, com Donald Trump à porta da Casa Branca e republicanos conservadores no controle do Congresso, a reaproximação de Cuba com os EUA está em risco.

Contradizendo sua aprovação anterior, Trump e seus assessores agora estão ameaçando reverter o degelo político iniciado por Obama.

A nova administração pode reverter o que foi feito e fazer o relógio voltar dois anos ou, de modo menos radical, pode sustar passos adicionais em direção a um relacionamento normal com Cuba.

A aproximação pode muito bem voltar a virar confronto, semeando o caos na conturbada economia cubana e potencialmente dificultando a transferência do poder para uma nova liderança.

O enigma é por que Trump, frequentemente descrito como um pragmático não ideológico, quereria acabar com a promissora aproximação dos EUA com Cuba. Isso não geraria benefícios concretos nem aos Estados Unidos nem para o povo cubano.

Grandes empresas americanas, incluindo a American Airlines, Purdue Chicken e Starwood Hotels, estariam entre os maiores prejudicados.

Essas empresas já estão fazendo negócios em Cuba, enquanto outras, como Google e Caterpillar, estudam a possibilidade de fazer novos investimentos. Os mais duramente atingidos seriam pequenos empreendedores cubanos que abriram restaurantes, cafés e pousadas.

Além disso, uma reviravolta de Trump na política em relação a Cuba seria amplamente criticada em toda a América Latina, se bem que o impacto disso seria em grande medida simbólico.

O que Cuba oferece a Trump é uma oportunidade precoce, de custo relativamente baixo, de demonstrar sua autoridade e decisão na política externa, tanto a seus aliados quanto a adversários.

Embora a maioria dos americanos seja a favor da aproximação com Cuba, poucos a veem como uma prioridade para os Estados Unidos.

CARONA DE GRAÇA

Os críticos de Obama argumentam que o governo cubano tem reagido pouco aos esforços dos EUA para construir uma relação normal.

Eles dizem que, enquanto os EUA empreenderam mudanças abrangentes em suas políticas em relação a Cuba, o governo da ilha tem resistido a adotar reformas econômicas, mesmo mínimas, e demonstrado pouca confiança em seu setor privado, além de ter feito ainda menos para promover os direitos humanos ou a abertura política.

Segundo esse ponto de vista, o governo cubano está ganhando uma carona de graça.

Embora não tenham evidências, os opositores também afirmam que os cidadãos cubanos comuns não estão se beneficiando do aquecimento dos laços.

Eles alegam que os benefícios da normalização ficaram com a elite cubana —a elite política, os funcionários do Partido Comunista e os altos oficiais militares.

O ritmo glacial das mudanças em Cuba nos últimos dois anos sem dúvida enfraqueceu os argumentos em favor da aproximação americana.

A perspicaz blogueira cubana Yoani Sánchez observou que o governo desperdiçou a boa vontade de Obama e agora se vê diante de uma Washington mais hostil.

Mesmo assim, algumas mudanças positivas ocorreram em Cuba. As empresas particulares proliferaram. Uma sociedade civil genuína está nascendo, apesar de ainda enfrentar restrições fortes. A informação está fluindo mais livremente.

A grande maioria dos cubanos permanece entusiasmada com a perspectiva de um relacionamento normal com os EUA. Mesmo que os benefícios tenham demorado a chegar, poucos cubanos querem voltar para trás.

Fundamentalmente, não há nada a ser ganho com a suspensão ou reversão da iniciativa de Obama —e muito a ser perdido.

Para tentar prevenir crise econômica mais profunda, o governo cubano pode fazer algumas concessões à administração Trump. Mas a resposta cubana mais provável à inversão na política americana seria endurecimento do governo autoritário e do controle centralizado.

O resultado disso seria sofrimento econômico crescente para a maioria dos cubanos e mais anos de antagonismo vão. Tanto americanos quanto cubanos merecem algo melhor que isso.

PETER HAKIM é presidente emérito do Inter-American Dialogue

Tradução de CLARA ALLAIN


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