Folha de S. Paulo


'Irmão' para Obama, vice-presidente dos EUA deixa cargo em alta

Em discurso derradeiro como líder dos EUA, na segunda (10), Barack Obama enalteceu seu vice-presidente, Joe Biden.

"Você foi a primeira escolha que fiz quando virei presidenciável, e a melhor. Não só por ter sido um vice incrível, mas porque, como barganha, ganhei um irmão."

Não é o único que sentirá saudades de Biden, 74, político que garantiu seu lugar não só em Washington, onde estreou aos 29, como senador de Delaware, mas também na cultura pop americana.

Nicholas Kamm - 12.jan.2017/AFP
Joe Biden discursa depois de ser agraciado por Obama com a Medalha da Liberdade, na quinta-feira (12)
Joe Biden discursa depois de ser agraciado por Obama com a Medalha da Liberdade, na quinta-feira (12)

Os jovens que hoje compartilham memes sobre a língua solta ou o gosto de Biden por sorvetes podem ser novos demais para conhecer sobressaltos em sua biografia.

Talvez não saibam que sua carreira quase foi a pique em 1988, após ele, então pré-candidato à Casa Branca, ser acusado de plagiar palavras do líder trabalhista britânico Neil Kinnock.

Ou como, na semana anterior ao Natal de 1972, pouco depois da vitória inaugural nas urnas, Biden perdeu a primeira mulher, Neilia, e a filha Naomi, 1, num acidente de carro. Dois filhos pequenos também a bordo sobreviveram —um deles, Beau, morreu em 2015, de câncer cerebral.

O que domina a internet é a imagem de um Biden escrachado, que esculpiu para si a fama do "Joe Sixpack" (referência ao engradado com seis cervejas popularmente associado ao americano médio).

Zeloso das raízes operárias, o vice vem da industrial Scranton (Pensilvânia), mesma cidade do pai da ex-presidenciável Hillary Clinton. Em outubro, chamou para o braço o rival da democrata na eleição, o republicano Donald Trump. Estivessem os dois no ensino médio, afirmou, "poderia dar uma surra nele atrás do ginásio".

Nas redes sociais, uma foto de Biden em 1968 virou assunto por outro motivo: a beleza do então estudante de direito de 26 anos, de camisa vermelha, só a última casa desabotoada. Por dias, choveram comentários como "o jovem Joe poderia me escrever [no WhatsApp] às 8h47, e eu responderia às 8h46".

Uma paixão particular do político também é hit virtual. A CNN juntou momentos em que ele devorava casquinhas enquanto fazia declarações de amor a elas ("meu nome é Joe Biden e eu amo sorvete").

Dos mais boquirrotos na sóbria gestão de Obama, o vice deu conselhos amorosos ao povo. No Dia dos Namorados de 2012, orientou homens sobre como tratar as parceiras, no programa de rádio de Ryan Seacrest, apresentador do "American Idol": "Preste atenção —e joia ajuda".

Nem sempre suas tiradas foram bem-vindas. Já se desculpou por uma frase com ranço xenófobo: "Você não consegue ir a uma Dunkin Donuts a não ser que tenha leve sotaque indiano". Em outro ato público, pediu ao senador Chuck Graham: "Levante-se, deixe que o vejam". Graham é cadeirante.

A onda de paródias com o vice ganhou força em 2010, quando o site satírico "The Onion" publicou montagem de seu rosto num corpo sarado sem camisa, lavando o carro perto da Casa Branca. Não se sabe por que, mas o político casado há 40 anos com a segunda mulher ganhou fama de um mulherengo que usaria a Lei da Transparência para descobrir o horário de trabalho de uma colega.

TRAVESSURAS

Nenhum meme do vice faz tanto sucesso quanto o que forja diálogos para fotos dele com Obama. Ao presidente cabe o papel de reprimir travessuras de seu número dois.

Um deles brinca com a troca de guarda na Presidência. "Deixei um pacote de Cheetos no banheiro", diz Biden. "Por quê?", indaga Obama. "Caso ele precise retocar a maquiagem", responde o vice, zombando o bronzeado alaranjado de Trump. "Joe...", repreende o mandatário.

A opinião dos americanos sobre Biden reflete um país polarizado. Em 2012, o Centro de Pesquisas Pew pediu que 1.008 pessoas o descrevessem em uma palavra. As duas respostas mais populares: "bom" (43) e "idiota" (40).

Uma ala democrata acredita que Biden, e não Hillary, deveria ter sido o presidenciável do partido. Sobrevivente de dois aneurismas cerebrais, ele desistiu de concorrer após a morte do primogênito Beau. Disse à época que o luto ainda era esmagador. Em 2016, Biden liderou o Cancer Moonshot, projeto federal para combater a doença.

Na quinta (12), Obama agraciou o amigo com a Medalha da Liberdade e fez galhofa: "Isto dará uma última chance à internet de falar sobre nosso 'bromance' [amizade forte entre dois homens]".

No aniversário de 55 anos do presidente, em agosto, Biden tuitou a foto de duas pulseiras feitas de fios laranja e verde, uma com "Joe", outra com "Barack". E escreveu: "Melhor amigo para sempre".


Endereço da página: