Folha de S. Paulo


Por trás de cerca, cidade mexicana encara muro de Trump com cautela

Os mexicanos se opõem por maioria esmagadora ao muro que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu construir ao longo da fronteira entre os dois países.

Mas em Ciudad Juárez, no México, onde os Estados Unidos ergueram uma extensa cerca para bloquear a fronteira entre 2007 e 2010, os moradores encaram de maneira mais nuançada o significado de um muro. Eles dizem que a cerca de Juárez tanto causou quanto aliviou problemas na cidade e nas áreas vizinhas.

Jose Luis Gonzalez-18.nov.2016/Reuters
Children play at a newly built section of the U.S.-Mexico border wall at Sunland Park, U.S. opposite the Mexican border city of Ciudad Juarez, Mexico November 18, 2016. Picture taken from the Mexico side of the U.S.-Mexico border. Picture taken November 18, 2016. REUTERS/Jose Luis Gonzalez ORG XMIT: TBR04
Crianças brincam próximo a barreira construída na fronteira com o México, em Sunland Park, nos EUA

Há quem diga que a barreira tornou a vida em Juárez melhor, desviando o tráfico de drogas para áreas mais remotas, onde cruzar a fronteira é mais fácil. Outros dizem que a alta cerca deu origem a um novo tipo de crime na cidade, encorajando traficantes de drogas que enfrentam dificuldades para transportar mercadorias ao outro lado a fronteira a desviar parte de seu produto a fim de expandir e atender ao mercado local.

Armando Cabada, recentemente eleito como prefeito de Juárez, vê os dois lados. Ele diz que as cercas, câmeras, sensores e controles mais rigorosos nas pontes da fronteira impediram travessias flagrantes de emigrantes mexicanos sem documentos para a cidade de El Paso, no Texas, que fica logo do outro lado da fronteira fortificada, à vista de seu escritório com paredes revestidas de madeiras.

No balanço, porém, o lado negativo superou o positivo, ele diz. Cabada aponta que pouco depois que a cerca foi construída, Juárez se tornou cenário de uma infernal guerra entre cartéis de drogas que fez da cidade a capital mundial do homicídio, enquanto El Paso continuou a ser a mais segura entre as cidades norte-americanas de seu porte.

Depois que os controles de fronteira foram apertados, disse Cabada, "os traficantes de drogas passaram a ter de batalhar muito mais para transportar suas drogas aos Estados Unidos, e muitas delas terminam ficando por aqui".

A oferta local aumentada de drogas mudou a dinâmica da cidade, e houve uma disparada no número de viciados e de pequenos crimes, ele disse.

É difícil isolar as causas do caos que varreu Juárez em 2008, quando os cartéis de Sinaloa e Juárez entraram em confronto pelo controle de rotas de tráfico, mas a crença de que controles mais rigorosos na fronteira contribuíram para a mortífera espiral que arrastou a cidade é generalizada entre os líderes de negócios, autoridades de segurança e políticos com os quais a Reuters conversou.

A cidade de 1,4 milhão de habitantes viu uma alta de 336 homicídios em 2007, quando começou a construção da cerca, para 3.057 em 2010, quando o trabalho foi praticamente concluído. Em 2010, apenas duas pessoas foram vítimas de homicídios em El Paso, ante oito em 2006.

No ano passado, os homicídios caíram abaixo do nível de 2007 e a vida normal começou a retornar, mas a forte demanda por metanfetaminas em Juárez causou uma disputa local pelo controle de território e uma nova escalada da violência, disseram Cabada e as autoridades de segurança da cidade.

O uso de drogas em Juárez está entre os mais altos no México, demonstram pesquisas de saúde do governo do país.

Jose Luis Gonzalez-21.nov.2016/Reuters
Workers of a foreign assembly plant board a bus at the housing project of Riveras del Bravo in Ciudad Juarez, Mexico November 21, 2016. Picture taken November 21, 2016. REUTERS/Jose Luis Gonzalez ORG XMIT: TBR05
Trabalhadores embarcam em ônibus em Ciudad Juárez, no México, perto da fronteira com os EUA

"MENOS CAOS"

Uma pesquisa conduzida em maio pela Baselice & Associates para a Cronkite News e outras organizações de notícias entrevistou 1.500 pessoas em 14 cidades na fronteira entre o México e os Estados Unidos, e constatou que 72% dos respondentes do lado norte-americano e 86% dos respondentes do lado mexicano se declaravam contrários à construção de um muro.

Estebán Sabedra, operário que vive em Anapra, uma cidade de trabalhadores logo a oeste de Juárez, está entre a minoria de mexicanos que gostaria de ver mais cercas.

A casa de Sabedra fica a um quarteirão de uma cerca de arame baixa que separa Juárez e El Paso desde 1980, e que agora está sendo substituída pelo Serviço Alfandegário e de Proteção de Fronteira dos Estados Unidos por uma barricada de obstáculos de aço com 4,5 metros de altura.

Ele aprova a nova estrutura, afirmando esperar que ela atrapalhe os traficantes de drogas e pessoas que operam na área no momento, intimidando os moradores.

"[Essa nova cerca] não é problema para nós; pelo contrário, é melhor, porque menos pessoas tentarão atravessar por aqui", disse Sabedra, que ganha 150 pesos (R$ 23) ao dia produzindo lonas pra freios destinadas ao mercado dos Estados Unidos em uma fábrica em Juárez. "Haverá menos caos".

De fato, especialistas dizem que a cerca em torno de El Paso é um dos fatores que explicam a queda forte no número de detenções pela patrulha de fronteira norte-americana na área, para 14.495 no ano passado ante 122.256 em 2006, uma queda parcialmente atribuída à mudança de rota pelos emigrantes ilegais, para trechos menos protegidos da fronteira.

O número de emigrantes é muito menor do que no passado, no setor, em larga medida por conta da presença de segurança muito reforçada, o que inclui cercas e a quase duplicação no número de agentes de fronteira norte-americanos, afirmou o Washington Office on Latin America, uma organização de defesa dos direitos humanos, em relatório publicado em outubro.

Jose Luis Gonzalez-26.ago.2016/Reuters
FILE PHOTO -- An excavator removes a fence, which will be replace by a section of the U.S.-Mexico border wall at Sunland Park, U.S. opposite the Mexican border city of Ciudad Juarez, Mexico, August 26, 2016. Picture taken from the Mexico side of the U.S.-Mexico border. REUTERS/Jose Luis Gonzalez/File Photo ORG XMIT: TOR135
Escavadeira remove cerca que será substituída por muro na fronteira entre EUA e México

CASAS RUINDO E SPAS

Jorge Arnaldo Nava López, promotor público da cidade de Juárez, atribui à cerca em El Paso a responsabilidade pela alta forte no crime ao longo de uma faixa fértil de deserto conhecida como Vale de Juárez. A alta no crime vem sendo especialmente aguda no ponto em que a cerca termina, perto do município de Guadalupe.

"Isso causou deslocamento em direção das aldeias nas cercanias de Ciudad Juárez", disse Nava.

O Vale de Juárez costumava ser um local de lazer popular entre a classe média da cidade. Agora, brutalizado pela violência e abandonado pela polícia municipal, que tem poder de fogo inferior ao dos criminosos, muitos de seus spas, casas de férias e plantações de algodão foram abandonados.

Autoridades e emigrantes dizem que mexicanos e centro-americanos pagam centenas de dólares a membros de quadrilhas para vadear uma porção rasa do rio e tentar a sorte, fugindo dos guardas de fronteira para chegar às cidades de Tornillo e Fabens, do outro lado da linha divisória.

A fortificação da fronteira poderia levar o caos a outros lugares. Mas Nava, que já comandou a unidade de combate a sequestros do Estado de Chihuahua, teme que isso também possa causar ainda mais violência, na forma de extorsão e sequestros, caso as gangues hoje dedicadas ao tráfico de drogas se vejam frustradas pelo novo muro.

"Não estamos isentos da possibilidade de que esse tipo de crime venha a crescer e que [mais] drogas destinadas aos Estados Unidos comecem a ficar aqui em Ciudad Juárez", disse Nava.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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