Folha de S. Paulo


Fluxo de migrantes diminui em 2016, mas número de mortos no mar cresce

Embora tenha havido uma queda significativa no fluxo de migrantes e refugiados na região do Mediterrâneo, 2016 marcou um novo recorde de mortos e desaparecidos em travessias pelo mar.

No total, mais de 5.000 pessoas se afogaram e não conseguiram completar sua jornada em busca de asilo na Europa, segundo dados do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). Outros 361 mil migrantes desembarcaram no continente ao longo do ano.

Em 2015, ano em que a crise de refugiados ocupou manchetes e gerou comoção mundial, mais de 1 milhão de pessoas realizou a travessia de maneira irregular, tendo sido registradas cerca de 3.800 mortes, um recorde até então.

Isso significa que, no período, o número de mortes em relação ao total de travessias mais do que triplicou, sem que a jornada pareça ter se tornado mais arriscada de um ano para o outro.

Editoria de Arte/Folhapress

Segundo o Acnur disse à Folha por e-mail, "as táticas dos contrabandistas de pessoas estão mudando, com o embarque de milhares de pessoas ao mesmo tempo".Além disso, o uso de embarcações frágeis, como botes infláveis, aumenta os riscos de naufrágio, especialmente quando há mau tempo.

"Isso acaba tornando o trabalho dos socorristas mais difícil", afirma o órgão.

O processo de contagem de mortos e desaparecidos no Mediterrâneo é complicado. Como a maior parte dos corpos de migrantes afogados não é recuperada, as autoridades dependem de relatos de sobreviventes de naufrágios para estimar quantos viajantes não conseguiram concluir a jornada.

Contribui para agravar a crise humanitária no Mediterrâneo a impossibilidade de se estabelecer responsáveis pela situação. Até hoje, nenhuma das mortes em alto-mar resultou em investigações contra autoridades ou contrabandistas.

CONTROLE DO FLUXO

Parte da redução do fluxo migratório no Mediterrâneo em 2016 se deve ao acordo assinado em março entre a União Europeia (UE) e o governo da Turquia. O pacto cria limites à entrada de refugiados vindos do país em troca do repasse de € 6 bilhões (R$ 21 bilhões) para Ancara.

As travessias nas rotas da região oriental do Mediterrâneo caíram de 840 mil em 2015 para 173 mil em 2016.

O acordo com a Turquia é estratégico para controlar as travessias pelo mar. Campos da ONU no país abrigam mais de 2 milhões de refugiados da guerra civil na Síria, muitos dos quais saem da Turquia em direção à Europa em busca de segurança. Os sírios correspondem a 23% de todos os estrangeiros que desembarcaram no continente durante o ano.

Se as autoridades europeias conseguiram, por meio do acordo com a Turquia, controlar o fluxo de refugiados no Mediterrâneo oriental, a crise parece se concentrar agora nas rotas da área central do mar.

Entre 2015 e 2016, as viagens pelo Mediterrâneo central cresceram de aproximadamente 150 mil para 180 mil, e o número de mortos subiu de 2.800 para mais de 4.400. Segundo o Acnur, essas rotas são "mais perigosas" que as que conectam a Turquia à Europa.

A maior parte dos viajantes do Mediterrâneo central foge da violência em países da África subsaariana, como Nigéria e Eritreia. Muitos desses migrantes iniciam sua travessia marítima pela Líbia, país que vive há seis anos uma guerra civil e, na prática, não possui governo capaz de estabelecer controles costeiros.

Nesse sentido, parece inviável para a UE negociar com a Líbia um acordo migratório similar ao firmado com a Turquia. Prevenir naufrágios e conter o contrabando de pessoas na região são, portanto, desafios enormes.

"Embora combater o contrabando seja uma necessidade absoluta, oferecer procedimentos alternativos para a admissão de refugiados deve ser parte da solução", afirma o Acnur. "Defendemos a definição de caminhos legais para a entrada na Europa."

Além disso, o órgão diz procurar investimentos "mais estratégicos e direcionados" aos países da África e do Oriente Médio, que hospedam a maioria dos refugiados.


Endereço da página: