Folha de S. Paulo


Artista que pintou muro após morte de Fidel está preso sem acusação formal

Fidel Castro morreu há pouco mais de um mês. Desde o dia 26 de novembro, o artista plástico e ativista Danilo Maldonado, 33, conhecido como "El Sexto", está preso, num cárcere de segurança máxima próximo a Havana, ainda sem uma acusação formal.

O crime pelo qual a Justiça cubana diz pretender processá-lo é o de "dano à propriedade do Estado". Na manhã daquele dia, quando soube da morte do ditador, "El Sexto" saiu às ruas de Havana e escreveu, no muro de um hotel e nos de mais dois edifícios públicos as palavras: "Se Fue" (foi-se, em espanhol).

Bastou para que a polícia fosse buscá-lo em casa e o levasse, de prisão em prisão, até o complexo penitenciário de Combinado del Este.

Flávia Marreiro-1º.mar.2013/Folhapress
O artista cubano Danilo Maldonado, que assina como "El Sexto"

"Não o julgaram ainda por uma razão simples. Esse tipo de ofensa é punida aqui com o pagamento de uma taxa de cem a 200 pesos cubanos. É pouco. Se eles o condenam, nós pagamos, e ele seria liberado rapidamente. Mas eles não o fazem, porque a ideia é deixá-lo nesse limbo jurídico", conta à Folha, por telefone, de Havana, a mãe do grafiteiro, Maria Victoria Machado Gonzalez.

Ela recorda como foi o dia em que o levaram: "Entraram em casa e tiraram ele do quarto sob golpes, o arrastaram até a rua e continuaram batendo nele".

Quando a família descobriu em qual prisão ele estava, foram até lá e gritaram seu nome do lado de fora. Ele gritava de volta, segundo a mãe.

"Depois, ele nos contou que colocaram sonífero em sua comida, para que não gritasse mais. Mas sua luta é pela liberdade de expressão. E, enquanto puder se expressar, seja desenhando, seja fazendo arte, seja gritando, estará sendo o artista que é. Ele crê que a arte tem de ser livre e eu estou de acordo."

Maria Victoria diz conseguir manter a calma, mesmo sabendo que o filho pode encarar meses ou até anos atrás das grades. Não será a primeira vez. Entre dezembro de 2014 e outubro de 2015, "El Sexto" esteve preso, também sem uma acusação formal, após pintar dois porcos, um com o nome de Fidel Castro, outro com o de Raúl, e soltá-los pelas ruas de Havana.

A ideia era fazer uma paródia da "Revolução dos Bichos", de George Orwell. Mas o Estado considerou um desacato severo à autoridade, e o artista foi preso, embora não se tenha aberto nenhum processo contra ele.

Na última segunda (26), Maria Victoria visitou o filho. "Está de bom humor porque tem humor cubano. Ele me disse para não me preocupar, porque quanto mais tempo estiver preso, mais será exposta para a comunidade internacional a crueldade do regime."

De fato, a Anistia Internacional e outros organismos de defesa dos direitos humanos vêm pedindo sua liberação.

DESENHOS

Para ajudar na campanha, amigos de Maldonado, de forma escondida, levaram da prisão desenhos feitos por ele, mostrando como é o cárcere por dentro. Nos últimos dias, esses desenhos vêm circulando nas redes sociais. O traço do artista mostra tanto as celas superlotadas como a solitária do Combinado del Este.

Acervo pessoal
Desenho feito por Maldonado retrata cotidiano em penitenciária perto de Havana, onde ele está detido

Para o amigo de infância, o escritor e artista Orlando Lazo, que vive nos EUA, o "governo cubano está cansado da visibilidade que Danilo ganhou". Nos últimos tempos, "El Sexto" teve obras expostas nos EUA e na Europa, onde também fez performances em que se tatua ao vivo. Além disso, participou de fóruns sobre direitos humanos na Escandinávia e recebeu o prêmio Human Rights Foundation Vaclav Havel de 2015.

Lazo considera que a perseguição a "El Sexto" tem algo distinto à de outros opositores. "Com eles, sejam líderes políticos, sejam ativistas como as Damas de Blanco, o governo sempre encontra um equilíbrio. Às vezes os prende, ou repreende, depois os deixa atuar, e os dois lados vão de certa forma negociando limites. Mas com 'El Sexto' não existe isso, porque ele não aceita esse pacto."

O escritor exemplifica com as vezes em que "El Sexto" saiu às ruas vestindo camisetas em homenagem a ativistas como Oswaldo Payá, morto em 2012. "A polícia o fazia tirar a roupa e rasgava a camiseta. Logo depois, ele armava uma performance. Tatuou o rosto de Payá e de outros dissidentes mortos no corpo."

O nome de "El Sexto" é também uma crítica ao regime, pois faz referência, de forma irônica, ao grupo conhecido como "Los Cinco", um grupo de agentes cubanos que foram presos nos EUA por espionar a mando de Fidel e até hoje são considerados heróis da pátria pelo regime.

"O governo cubano gasta milhões todos os anos para fazer propaganda desses caras. Decidi dizer que eu sou o Sexto, que o Sexto é o povo cubano, que quer ser livre", disse, uma vez, em uma entrevista.


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