Folha de S. Paulo


Rússia recruta hackers em universidades e mídias sociais

Aleksandr B. Vyarya acreditava que seu trabalho fosse proteger pessoas contra ataques cibernéticos até que, ele diz, seu governo o sondou para fazer o oposto.

Vyarya, 33, conta ter sido convidado a participar de uma ampla reforma nas Forças Armadas russas, em 2015. Os generais do país estavam fazendo da luta cibernética peça central na expansão dos interesses do Kremlin.

Kirill Kudryavtsev/AFP
Homem caminha em sede da gigante russa de segurança cibernética Kaspersky
Homem caminha em sede da gigante russa de segurança cibernética Kaspersky, em Moscou

O programador declinou da oferta, mas, preocupado com os efeitos de sua recusa, fugiu para a Finlândia. Foi um raro exemplo de cidadão russo que buscou asilo diante dos esforços oficiais para recrutar hackers. Detalhes sobre esse alistamento em larga escala revelam em parte o plano do Kremlin de criar unidades de elite de hackers.

As agências de inteligência dos EUA afirmam que "piratas" russos roubaram dados do Comitê Nacional do Partido Democrata durante a campanha presidencial. Na quinta (29), o governo Obama impôs sanções à Rússia por interferência na eleição.

As penas se dirigem às principais agências de inteligência russas e a indivíduos específicos, e tomam por alvo uma parte das amplas operações de espionagem cibernética de Moscou, que incluem também as Forças Armadas, fornecedores de equipamentos militares e equipes de recrutas civis.

Por mais de três anos, em lugar de depender de militares operando desde bunkers isolados, os especialistas em recrutamento do governo russo vêm selecionando programadores, publicando anúncios em mídias sociais, oferecendo empregos a universitários e profissionais de software, e até mesmo falando abertamente sobre buscar potenciais talentos no submundo criminal russo.

"Houve casos em que criminosos cibernéticos detidos não foram parar na prisão", disse Dmitri Alperovitch, cofundador da CrowdStrike, companhia de segurança na computação que identificou o grupo de hackers responsável pela invasão dos computadores nos EUA.

GUERRA NÃO LINEAR

A Rússia não está sozinha no que o general Valery Gerasimov, alto funcionário da Defesa, chamou em 2013 de "guerra não linear". As agências de inteligência dos EUA, dentre as quais a Agência Nacional de Segurança (NSA), recrutam pessoal há décadas nas universidades. Em 2015, a NSA ofereceu um curso gratuito de verão a 1.400 alunos de ensino médio com técnicas básicas de hacking, cracking e defesa cibernética.

À medida que a Rússia ampliava suas capacidades, as agências do governo também foram ao mercado em busca de equipamento e software de vigilância e hacking, vários deles exportados legalmente por firmas ocidentais.

Especialistas em segurança cibernética acreditam ter identificado o grupo responsável pela invasão dos computadores democratas: conhecido como Fancy Bear, o coletivo atuava desde 2007, mas suas capacidades evoluíram para o ataque (em lugar da coleta de dados) depois que os militares russos tornaram prioridade a guerra digital.

Em 2014, o grupo postou dados roubados da Agência Mundial Antidoping que mostravam que atletas americanos como a tenista Serena Williams tinham permissão médica para usar substâncias proibidas. Era uma suposta retaliação a notícias de doping no esporte russo.

O presidente Vladimir Putin afirmou repetidas vezes que as informações reveladas pelos ataques de hackers ao comitê democrata eram mais importantes do que determinar quem as roubou. Membros do partido e o governo Obama não deveriam culpar estrangeiros por sua derrota na eleição, completou ele.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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