Folha de S. Paulo


Preço do petróleo é ameaça ao projeto de poder de Putin na Rússia

Igor Gielow/Folhapress
Obras na região da catedral de são Basí­lio, sí­mbolo da Rússia, na praça Vermelha, em Moscou
Obras na região da catedral de são Basí­lio, sí­mbolo da Rússia, na praça Vermelha, em Moscou

"A economia é o maior problema de Putin", afirma George Friedman, da consultoria Geopolitical Futures, sem nem precisar citar a contração de 0,6% do PIB prevista pelo FMI para este ano.

"E a pobreza, crescendo em especial no interior", diz, sobre o desafio central do presidente russo, embora ele não veja desafio significativo ao regime em 2017.

Como conta Vera Pimenova, professora aposentada em Khabarovsk, no Extremo Oriente russo: "Meu filho teve de se mudar para Busan, Coreia do Sul, porque aqui não há emprego para engenheiros".

Saudades da União Soviética? "De jeito nenhum. Por enquanto, ainda somos mais ou menos livres, como esses aí", diz, olhando para jovens em motos ao lado de uma estátua do pai da Revolução Russa, Vladimir Lênin.

Ela ganha US$ 200 como professora aposentada, mais que a média dos pensionistas russos (US$ 150), mas menos que a de seus vizinhos de cidade (US$ 570 mensais).

Os sinais de fadiga são visíveis. Segundo a Federação Russa de Sindicatos Industriais, nos últimos dois anos subiu 40% o número de relatos de greves e protestos por falta de pagamentos. O governo promete indexar pensões à inflação, mas não sabe de onde tirar o dinheiro.

Nas áreas ricas de Moscou e de São Petersburgo, a crise por ora ainda é mais relacionada às sanções que EUA e Europa impõem desde 2014. Acostumada com acesso a bens de consumo ocidentais, a nova classe média russa agora come queijo brie produzido às margens do rio Volga em vez do original francês.

TURISMO

Como a aprovação acima de 80% atesta, seja ela fruto de mera propaganda ou não, nem tudo é crítica a Putin.

"Antes isso aqui era uma base de marinheiros. Hoje, temos um turismo dinâmico", conta Egor Afanasiev, 35, que ganha a vida levando visitantes atrás das dezenas de vulcões ativos e de famosos ursos na remota península de Kamchatka, a preços na casa dos milhares de dólares.

Há 20 anos ele acompanhou a família para Petropavlovsk-Kamchatski, a lúgubre capital regional, 14 fusos à frente do horário brasileiro de verão e que ainda depende da indústria de pesca.

"Em outros tempos, eu continuaria sendo o que fui treinado para ser, guarda de parques nacionais. Agora tenho minha empresa e não preciso sair daqui", relata.

A comparação com a balbúrdia dos anos anteriores à posse de Putin ainda o ajuda: o Ministério das Finanças aponta um aumento de renda superior a 150% em média no país desde então.

A crise central, contudo, vem do petróleo, guardando semelhança com o cenário que levou à implosão soviética 25 anos atrás.

A pressão por reformas de então, com a ascensão de Mikhail Gorbatchov e suas medidas liberalizantes a partir de 1985, expôs fraturas do sistema já estressado. O PIB soviético decaiu em média 1,3% ao ano nos anos da abertura econômica, a perestroika.

O preço do barril desabou nos anos 1980 para menos de US$ 30. Hoje, após anos acima de US$ 110, houve um tombo e o valor está algo acima de US$ 50; o setor energético responde por 70% das exportações russas.

O recente corte de produção não deve garantir a elevação ao nível mínimo estipulado por analistas, na casa dos US$ 70 ou dos US$ 80 por barril, para tornar o orçamento russo solvente.

Em consonância com os 1980, quando os projetos militares mirabolantes de Ronald Reagan levaram a uma corrida armamentista que ajudou a quebrar o Kremlin, Putin mantém o país como terceiro maior orçamento militar em relação ao PIB.

Para tentar solucionar o problema, há um grupo de liberais que estuda uma reforma econômica, liderado pelo ex-ministro Alexei Kudrin.

Para observadores mais críticos, tudo não passa de pantomima à espera da solução política para a permanência de Putin e seu grupo no poder em 2018.

Igor Gielow/Folhapress
Moscovita toma sol perto de estátua em homenagem à mãe soviética, em parque de esculturas
Moscovita toma sol perto de estátua em homenagem à mãe soviética, em parque de esculturas

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