Folha de S. Paulo


Dissidentes das Farc ameaçam pacto de paz

Reprodução/Twitter
Gentil Duarte, ex-integrante da cúpula das Farc que se rebelou, em foto de julho
Gentil Duarte, ex-integrante da cúpula das Farc que se rebelou, em foto de julho

As Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) anunciaram que cinco líderes de alto e médio escalão deixaram as filas da guerrilha, acompanhados de parte de seus subordinados. Somados a um setor substancial da chamada Frente Primeira, que havia abandonado a milícia em julho, já são cerca de 300 a 400 os dissidentes que não aceitaram ser parte do acordo de paz colombiano.

O ministro da Defesa, Luis Carlos Villegas, anunciou que o Exército tem sinal verde para perseguir esses fugitivos, enquanto as Farc colaboram com informações de inteligência para tentar achá-los.

A questão das dissidências foi um temor presente durante toda a negociação, que começou há quase quatro anos e foi concluída em 30 de novembro, quando o acordo revisado e modificado foi aprovado pelo Congresso.

Em tratados de paz anteriores na Colômbia com outras guerrilhas e com paramilitares, cerca de 10% das forças com as quais se pactuou abandonaram o barco. As Farc parecem estar seguindo esse mesmo padrão, pois o número de desertores, até agora, chega a quase 6% do total de integrantes da força.

Foi o que ocorreu, por exemplo, com a paz assinada com os paramilitares, em 2005-06, durante o governo de Álvaro Uribe (2002-2010), quando ex-combatentes que não acataram o acordo –de redução de penas sob condição de admitirem seus crimes– abandonaram o grupo e formaram as chamadas "Bacrim" –bandas criminosas, que hoje atuam em várias regiões do país.

"O problema com esse acordo atual é que se pôs muito enfoque nas garantias dadas a altos comandos e aos guerrilheiros comuns, mas não se pensou nos chefes de médio escalão", disse à Folha Jorge Giraldo Ramírez, da universidade EAFIT, de Medellín. "Estes não poderão entrar facilmente na política, porque não são tão conhecidos como os chefes, e tampouco começar uma vida nova, pois são pessoas com mais de 40, 50 anos e já levam mais de 20 na guerrilha."

DISSIDÊNCIAS DAS FARCÁreas ligadas aos comandantes contrários ao acordo

DESERTOR DA CÚPULA
A deserção mais surpreendente foi a de Gentil Duarte, o único dos cinco considerados como membros da alta cúpula das Farc. Ele estava na guerrilha havia 36 anos. Após participar de reuniões das negociações em Havana, Duarte foi enviado para liderar a Frente Primeira, justamente com a tarefa de acalmar os ânimos desse bloco que estava prestes a abandonar o processo.

Duarte não apenas não cumpriu com a tarefa como se juntou aos dissidentes e sumiu do mapa.

A Frente Primeira é considerada uma das principais da guerrilha, com mais contatos internacionais –teriam representantes ligados ao Comando Vermelho brasileiro– e famosa por ter cuidado dos sequestrados mais célebres, como a ex-candidata a presidente Ingrid Betancourt.

Os outros fugitivos se encaixam no perfil de líderes de médio escalão. São eles John 40, Euclides Mora, Giovanny Chuspas e Julián Chollo, todos com influência nas frentes que comandavam ações nos departamentos (Estados) de Guaviare, Vichada, Vaupés e Guainía, região onde está um emaranhado de rotas do narcotráfico com conexões com o Brasil e a Venezuela.

Até o dia 31, as Farc terminam o processo de transferência para as chamadas "zonas de segurança". Trata-se de 27 áreas e acampamentos nos quais serão vigiadas e protegidas pelo Exército e entregarão gradualmente as armas, sob monitoria da Nações Unidas.

Setores de inteligência do Exército estão com a atenção posta nas frentes da guerrilha localizadas nos departamentos de Antioquia, Guaviare, Meta, Nariño e Putumayo, onde há indícios de novas deserções.

Na última semana, o presidente Juan Manuel Santos disse que esses guerrilheiros têm agora sua última chance de se dirigir às "zonas de segurança", caso contrário, "todo o poder de nossas Forças Armadas se concentrará naqueles que ficarem de fora desse processo".

Preocupada com o impacto da dissidência no êxito do acordo, a chefia das Farc emitiu um comunicado em que repreende os dissidentes: "São um grupo de insensatos que, desconhecendo o desejo de paz da imensa maioria do nosso povo, se lança pelo despenhadeiro da ambição pessoal."

Especialistas ouvidos pela Folha creem que as dissidências se explicam por algumas razões. Primeiro, o acordo definiu um valor muito baixo a ser recebido mensalmente pelos ex-guerrilheiros (cerca de US$ 280). Para quem estava operando nas áreas de produção e transporte de cocaína, é muito pouco, e eles acharam mais lucrativo ficar na marginalidade.

Outro fator tido como essencial foi a demora entre a derrota do "sim" no plebiscito, em 2 de outubro, até que se chegasse a um novo acordo, no fim de novembro.

Esse período em que permaneceram num limbo jurídico e com dificuldades de subsistência –afinal, não puderam voltar às atividades ilícitas de extorsão, sequestro e narcotráfico– teria produzido um sentimento de insegurança muito grande.

Por fim, parte da guerrilha vê o acordo de paz como uma rendição. Para os mais veteranos e, portanto, mais ideologizados, ainda apegados a princípios marxistas, pactar com um governo de centro-direita é uma derrota.


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