Folha de S. Paulo


Morales tenta brecha para concorrer a 4º mandato na Bolívia

O presidente boliviano Evo Morales, 57, estuda alternativas para tornar viável sua postulação para um quarto mandato, em 2019. Eleito pela primeira vez em 2005, Morales já está na terceira gestão (venceu também em 2009 e 2014), apesar de a lei boliviana, originalmente, permitir apenas uma reeleição.

Da última vez, Morales alegou que, como uma nova Constituição passou a vigorar em 2009, ele não chegou a completar seu primeiro mandato, portanto este não deveria entrar na conta.

A Corte Suprema aceitou o argumento e permitiu sua candidatura. Agora, para se candidatar novamente, para o período de 2020 a 2025, Morales já tentou um referendo popular, em fevereiro, no qual foi derrotado por uma margem pequena de votos.

Seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo), levantou quatro opções para que o líder cocaleiro seja candidato mais uma vez.

A mais viável é por meio de uma renúncia até seis meses antes do fim do mandato. Isso permitiria que alegasse que não completou seu período e que, portanto, teria direito de disputar novamente.

"Seria a única alternativa legal, do ponto de vista constitucional, ainda que questionável eticamente. Todas as outras seriam manobras ilícitas", diz à Folha o analista político Fernando Molina.

Um sinal de que o governo poderia adotar essa saída é que o vice, Álvaro García Linera, declarou semana passada que, se Morales se candidatar, ele não o acompanharia na chapa –na qual está, também, desde 2005.

"É o que parece que estão fazendo, Evo renuncia um semestre antes, se apresenta como candidato com um outro vice, e García Linera governa nesse último período", explica Molina.

Se esse procedimento apresentar rejeição, o MAS tem ainda outras três cartas na manga. A primeira seria coletar assinaturas até atingir 20% do total de eleitores registrados. Assim, é possível apresentar uma "iniciativa cidadã" –recurso que permite uma reforma parcial da Constituição. A segunda seria usar a maioria de mais de dois terços no Parlamento, que Morales já possui, para votar diretamente a alteração da lei.

Já a terceira seria apelar à Corte Constitucional para que esta aceite o argumento de que o referendo não foi válido porque o presidente teria sido vítima de uma campanha difamatória.

Morales se diz prejudicado por uma denúncia que surgiu à época, segundo a qual ele teria favorecido com um cargo uma ex-namorada, Gabriela Zapata.

No último domingo, o presidente fez um discurso em que declarou publicamente que buscará o novo mandato por um desses meios. "Se o povo diz 'sim', Evo continua com o povo para garantir nossa revolução democrática e cultural", disse. Acrescentou, ainda, que sua "revolução é um processo sem retorno".

Para o analista Pablo Stefanoni, Morales "está se apoiando no eleitorado rural, que de fato ainda tem, mas está forçando as coisas até um limite perigoso, pois os setores urbanos cada vez se distanciam mais dele".

Morales lançou a ideia num momento em que está com boa popularidade, por volta dos 49% –segundo pesquisa Ipsos. Em sua primeira eleição, teve 54% dos votos; na segunda, 64%; e, na terceira, 61%. "Ele segue muito popular, porque a economia ainda não foi tão abalada por conta da queda do preço das commodities", diz Molina.

A Bolívia segue crescendo num bom ritmo –4,45% em 2016–, apesar de os economistas alertarem que o quadro tende a se deteriorar em 2017. A oposição não ficou quieta. "'Não' significa 'não', disse o ex-presidente Jorge Quiroga, referindo-se ao resultado do referendo. Já a senadora conservadora Jeanine Añez pergunta: "Que tipo de democracia o presidente quer implementar?".


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