Folha de S. Paulo


Sob pressão, Colégio Eleitoral ratifica hoje vitória de Trump na eleição

Mark Wallheiser/Getty Images/AFP
Trump, que tem viajado pelos EUA para agradecer aos seus eleitores, acena para o público em evento no Alabama
Trump, que tem viajado pelos EUA para agradecer aos seus eleitores, durante em evento no Alabama

Donald Trump ainda não ganhou. A chancela final acontece nesta segunda (19), quando os 538 delegados do Colégio Eleitoral deverão apontá-lo como 45° presidente dos EUA.

Numa hora dessas, parte do país questiona: é justo esse sistema que permite um candidato receber mais votos e ainda assim sair derrotado da eleição?

Essa situação se repetiu cinco vezes em 58 pleitos: três no século 19 e duas nos últimos 16 anos, quando democratas venceram nas urnas e perderam a Casa Branca, primeiro Al Gore para George Bush, em 2000, e agora Hillary Clinton para Trump —ela teve 2,9 milhões de votos a mais, mas ele triunfou por conta de um sistema que, em 2012, chamou de "um desastre".

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É difícil explicar como o país que se vende como farol global da democracia não elege diretamente seu presidente, vide a profusão de piadas na internet como a desta eleitora frustrada: "Meu paquera acha que Colégio Eleitoral é uma escola :(".

É, na verdade, o nome do processo já comparado a um "Frankenstein eleitoral", no qual cada Estado indica delegados para representá-lo, embora estes tecnicamente possam votar em quem quiser (alguns "rebeldes" prometem ir contra a preferência estadual).

Confuso? O site Congress for Kids pode ser útil: "Você sabia que os EUA não votam para presidente? As pessoas na verdade escolhem delegados quando vão às urnas. Eles se comprometem a apoiar o presidenciável indicado pelo partido. Em geral, as cédulas só trazem o nome dos candidatos, e não dos delegados, aí muitos creem que estão votando para presidente".

O princípio democrático de uma pessoa, um voto nunca foi o espírito do Colégio, no qual ganha quem tiver ao menos 270 delegados (Trump teve 306; Hillary, 232).

Douglas McAdam, da Universidade Stanford, lembra à Folha das palavras de Alexander Hamilton, um dos Pais Fundadores dos EUA (líderes da independência): os "mais capazes" deveriam salvar o país de massas seduzidas por alguém "com talentos para as artes pequenas da popularidade". Na prática, a palavra final caberia à elite (homens brancos).

Não à toa muitos veem racismo na origem do processo, em 1787. Escravos, naquele começo, contavam como 3/5 de uma pessoa —e só valiam algo por uma manobra de James Madison, vulgo "o Pai da Constituição".
Ele possuía escravos na sulista Virgínia, onde negros cativos eram 40% da população. Para o Sul fazer frente ao Norte, precisava computar essa horda.

O número de delegados por Estado equivale às cadeiras de cada um no Congresso. A divisão não é proporcional: o Wyoming e a Califórnia têm, respectivamente, três representantes para 585 mil habitantes e 55 para 39 milhões. Ou seja, um eleitor da unidade menos povoada do país pesa 3,6 mais do que o da mais populosa.

"Se imperasse o voto popular, eleitores das poucas áreas, como Califórnia, Nova York e Texas [25% da população], sempre decidiriam o resultado. A opinião do resto do país não valeria", diz Alexander Belenky, autor de "Um Guia para o Sistema Eleitoral dos EUA".

Gary Gregg, que escreveu "Protegendo a Democracia: Por Que Temos um Colégio Eleitoral", ressalta que "Hillary ganhou na Califórnia por mais de 4 milhões de votos, e Trump, no resto da nação, por mais de 2 milhões".
"O voto direto empoderaria grandes metrópoles, responsáveis pelas maiores doações às campanhas e onde a mídia se concentra."

O sistema "winner takes all" (o vencedor leva tudo) ajuda a distorcer o resultado: se alguém garantir 50,1% dos votos, fatura todos os delegados do Estado —só Maine e Nebraska adotam distribuição proporcional.

"Logo, a maioria absoluta do eleitorado não tem nenhuma influência no resultado", afirma McAdam. Isso porque, em geral, os partidos não se dão ao trabalho de visitar 80% dos Estados.

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Veja o Alabama, que desde 1980 só elege republicanos. Para Trump e Hillary, seria desperdício de tempo e dinheiro fazer campanha lá –melhor concentrar esforços em Estados mais indecisos, como a Flórida.

Essa lógica às vezes dá o bote. Hillary foi criticada por esnobar Michigan na corrida. Achou que estava segura lá, onde democratas estavam invictos há 16 anos, mas Trump acabou ganhando.

"E os eleitores em Estados não competitivos?", questiona McAdam. "Imagine o republicano leal que vive na Califórnia ou o valente democrata de Mississippi. A cada quatro anos, votar para eles é um exercício de impotência política."

ASTROS

Martin Sheen já foi presidente dos EUA —na série "West Wing". Agora, quer impedir que a Casa Branca pare nas mãos de outro marco da TV, Donald Trump, ex-apresentador do reality "O Aprendiz".

Sheen se juntou a outras celebridades, como o músico Moby e a atriz Debra Messing, para tentar convencer 37 delegados que representam Estados onde Trump ganhou a mudar de voto —só assim o republicano teria menos dos 270 necessários para vencer no Colégio Eleitoral.

São 538 delegados no total, que em geral se comprometem a chancelar o candidato campeão nas urnas locais. Mas, na teoria, ninguém é obrigado a isso.

"Nossos Pais Fundadores construíram o Colégio para proteger o povo americano dos perigos de um demagogo", diz Sheen. "Vocês têm a oportunidade de entrar na história como um herói americano que mudou o curso da história."

As chances de sucesso são ínfimas. Numa das estimativas mais otimistas, de Larry Lessig, professor de Harvard, 20 delegados de Trump poderiam se rebelar. Só um deles tornou pública sua aversão ao presidente eleito.

Chris Suprun, bombeiro do time de socorro nos ataques terroristas de 11/9/2001, representa o Texas, onde Trump ficou dez pontos à frente.

"Ele não tem experiência em política externa para ser comandante-em-chefe", escreveu em artigo para o "New York Times". "Há 15 anos, fiz um juramento para defender meu país contra todos os inimigos, externos e internos. Neste 19/12, farei isso de novo."

Mas delegados rebeldes sempre foram gatos pingados, apesar da pressão popular. Os do Kansas reclamam de receber 10 mil e-mails num único dia, cobrando um voto contra o republicano.

Uma delas, Ashley Hutchinson, rebateu: "Não violarei o desejo do povo do Kansas simplesmente porque as elites acham que o sr. Trump tuíta muito".


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