Folha de S. Paulo


Sob protestos de Caracas, Mercosul transfere presidência à Argentina

A chanceler da Venezuela, Delcy Rodríguez, tentou impedir, sem sucesso, que a presidência rotativa do Mercosul fosse transferida para a Argentina, aparecendo sem ser convidada na reunião de chanceleres do bloco, que ocorreu nesta quarta-feira (14), em Buenos Aires.

"Avisei verbalmente e por escrito que ela não estava convidada", disse depois, em entrevista aos jornalistas, a chanceler argentina, Susana Malcorra, anfitriã do encontro.

"Mas ela quis vir mesmo assim, então eu a recebi como manda o protocolo, mas deixei claro que ela não poderia participar do encontro", disse. "Enquanto estiver nessa situação, a Venezuela não terá voz nem voto no bloco."

Sylvia Colombo/Folhapress
A chanceler da Venezuela, Delcy Rodriguez, dá entrevista a jornalistas e manifestantes perto da entrada do Palácio San Martín, em Buenos Aires, 14 de dezembro de 2016.
Delcy Rodriguez dá entrevista a jornalistas e manifestantes perto da entrada do Palácio San Martín

No início do mês, os membros do Mercosul decidiram pela "cessação da participação" da Venezuela, por alegar que o país não está cumprindo com os requisitos do bloco. Essa decisão significa que o país não pode exercer, portanto, a presidência pro-tempore, que lhe corresponderia nesse momento.

Assim, a chefia foi transferida para a Argentina (segue-se a ordem alfabética). Porém, o governo de Nicolás Maduro não acata essa decisão, que considera ser "mais política do que técnica", nas palavras de Rodríguez.

"Não aceitamos e consideramos que nós continuamos na Presidência; por isso, não precisamos pedir autorização para comparecer a uma reunião do Mercosul. Faço isso para defender a legitimidade do bloco. Se não nos deixam passar pela porta, nós entraremos pela janela", disse a chanceler venezuelana após conversar por quase uma hora com Malcorra, no prédio de escritórios da chancelaria, que se encontra do outro lado da rua do Palácio San Martín, sede cerimonial da chancelaria argentina.

Ali, Malcorra, com a ajuda do chanceler uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, tentou dissuadir Rodríguez de tentar entrar na reunião e convencê-la a aceitar a suspensão da Venezuela. Segundo Malcorra, durante a conversa, os três ficaram "dando voltas, porque nossas posições são contraditórias e não foi possível chegar a um acordo".

Ficou decidido apenas que representantes dos países integrantes do bloco se reunirão nesta quinta (15), no Uruguai, para acionar o Protocolo de Olivos, a pedido da Venezuela. Trata-se de um recurso de solução de conflitos previsto no Mercosul.

Malcorra disse que devem comparecer apenas equipes técnicas de cada país. Mas Rodríguez afirmou que estará presente pessoalmente.

Enquanto isso, do lado de fora, entre o edifício da chancelaria e o Palácio San Martín, havia manifestantes venezuelanos a favor da permanência do país no bloco, brasileiros pedindo a renúncia do presidente Michel Temer e organizações sindicais e kirchneristas argentinas, solidárias com as duas causas.

Rodríguez saiu do edifício e foi ovacionada pelos manifestantes. Num microfone improvisado, declarou que a Venezuela estava sofrendo um golpe e que ela entraria de qualquer forma na reunião.

A chanceler veio à Argentina acompanhada por seu par boliviano, David Choquehuanca, que afirmou que a Bolívia, membro-associado do Mercosul, era solidária à posição venezuelana.

Sylvia Colombo/Folhapress
Manifestantes brasileiros protestam contra o chanceler José Serra na entrada do Palácio San Martin, em Buenos Aires, onde ocorre reunião do Mercosul. BUENOS AIRES, Argentina, 14 de dezembro de 2016.
Manifestantes brasileiros protestam contra o chanceler José Serra em Buenos Aires

Rodríguez caminhou, então, até o portão do palácio, que estava cercado por policiais desde cedo, e pediu para entrar. Após receber permissão, dirigiu-se à sala de reuniões. Esta, porém, já havia sido esvaziada. Ela, então, tirou fotos e as postou nas redes sociais. "Desmontaram a reunião quando eu cheguei", escreveu. Na verdade, Serra, Malcorra, Nin Novoa e Eladio Loizaga (Paraguai) já estavam num almoço de trabalho previsto no cronograma.

Aos jornalistas Malcorra disse que "preferia que essas coisas não estivessem acontecendo, e que pudéssemos discutir nossos avanços como bloco e não alimentando a parte mórbida da reunião."

Um pouco irritada, a chanceler argentina reclamou que os jornalistas fizessem tantas perguntas sobre o comportamento da venezuelana, em vez de perguntarem sobre a reunião propriamente dita.

Do lado de fora, ao longo da tarde, os protestos pró-Venezuela no Mercosul continuaram, fazendo com que a chancelaria seguisse protegida por policiais.

BRASIL

No encontro com os jornalistas, Malcorra afirmou que a crise político-econômica brasileira é uma das preocupações da Argentina e do Mercosul. "Nós todos precisamos de um Brasil forte e que cresça."

Já o chanceler José Serra, recebido aos gritos de "golpista" por um grupo pequeno de brasileiros, não quis dar declarações e deixou o local logo após a reunião.


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