Folha de S. Paulo


Encurralados após avanços do governo sírio, civis pedem ajuda em Aleppo

Encurralados em Aleppo, entre os bombardeios sírios e russos, civis têm lançado seus últimos apelos por ajuda.

Os avanços do regime de Bashar al-Assad, que está prestes a controlar toda essa cidade, podem significar uma catástrofe humanitária.

Com a dificuldade em recolher informações confiáveis, perfis em redes sociais têm servido como registro dos horrores vividos pelos moradores.

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O professor Abdelkafi al-Hamdo, um dos ativistas que ainda permanecem em Aleppo, enviou dezenas de mensagens relatando a situação.

As aparições foram, no entanto, interrompidas por volta das 2h do horário de Brasília. A sua última declaração foi um vídeo, emocionado.

"Queria dizer que não acredito mais nas Nações Unidas, na comunidade internacional", disse. "Estamos enfrentando um dos mais duros massacres da história."

Hamdo também criticou, na mensagem de três minutos de duração, as comemorações registradas nas regiões de Aleppo controladas pelo regime. "Celebravam nossos cadáveres", disse.

Ele escreveu, ainda, que a cidade vivia o "Juízo Final", com "bombas sobre a cabeça de civis e pessoas correndo sem saber para onde ir."

As últimas mensagens publicadas por Hamdo até a tarde de terça-feira (13) tinham tom de despedida.

"Posso escrever agora, mas talvez não possa para sempre. Salvem a vida da minha filha", escreveu. "Não esperem mais. Centenas de almas estão morrendo a cada hora. Salvem o restante."

GAROTA BANA

Os apelos de Hamdo foram somados àqueles de Bana Alabed, uma garota de sete anos de idade que também escreve de Aleppo.

A britânica J. K. Rowling, autora da saga Harry Potter, compartilhou uma mensagem da jovem neste mês.

Mas Alabed tem sido alvo de campanhas on-line afirmando que seu perfil é falso. Há desconfiança a respeito de contas como a da garota, por vezes vistas como instrumentos de propaganda.

Kathleen Bartzen Culver, diretora do centro de ética jornalística da Universidade de Wisconsin-Madison, afirmou ao "New York Times" que alguns veículos de comunicação pareciam ter "suspenso seu ceticismo".

O perfil foi suspenso, mas voltou à ativa em seguida. "É meu último momento para viver ou morrer", ela escreveu na manhã de terça-feira.

DESINTERESSE

O relato de Hamdo coincide com o de outros ativistas e organizações humanitárias, que denunciam o descaso internacional diante da crise nessa que era uma das principais cidades da Síria. Havia ali 2,5 milhões de habitantes antes da guerra, em 2011.

O Exército sírio cercou nos últimos meses os redutos rebeldes e avançou com a ajuda de bombardeios russos.

Em uma entrevista recente à Folha o diplomata brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro afirmou que a estratégia de cercar a oposição é um crime de guerra e que, quando o conflito for encerrado, "os responsáveis serão punidos".

Pinheiro é presidente da Comissão Independente Internacional de Investigação sobre a Síria, criada pela ONU para monitorar violações dos direitos humanos.

Rupert Colville, porta-voz da ONU para os direitos humanos, descreveu a situação em Aleppo como uma "completa falha da humanidade", segundo uma reportagem do jornal britânico "Guardian".

Organizações humanitárias preocupam-se agora com o cenário após a tomada do restante de Aleppo. Rebeldes podem ser detidos ou recrutados pelo Exército.

Há relatos –não confirmados– de que forças ligadas ao regime de Assad estão entrando nas últimas regiões controladas por rebeldes e matando civis. Haveria também detenções em massa. O Observatório Sírio para os Direitos Humanos, baseado em Londres, afirmou por sua vez haver corpos abandonados nas ruas da cidade.

IMPACTO

A conquista de Aleppo será a maior vitória militar do regime sírio desde o início da guerra civil, em março de 2011. O ditador Assad poderá, agora, consolidar o controle do oeste do país, sua fortaleza, e avançar ao leste.

A organização terrorista Estado Islâmico tem sua auto-declarada capital em Raqqa, no centro do país.

Analistas afirmam que um dos objetivos imediatos de Assad será garantir o território conhecido como "Síria útil", ou seja, o trecho do país que pode sustentar seu regime. O controle das regiões desérticas ou sem importância estratégica será secundário.

A "Síria útil" inclui a capital, Damasco, Aleppo e a costa alauita, onde vive a minoria religiosa de Assad.


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