Folha de S. Paulo


Novo secretário de Estado dos EUA conhece petróleo e negociação

Vinte anos atrás, quando Rex Tillerson, novo secretário de Estado dos EUA, estava galgando a hierarquia da Exxon, ele foi encarregado de negociar com o governo do Iêmen a construção de uma usina de processamento de gás natural para exportação. As negociações empacaram devido à insistência iemenita em direito de veto sobre as decisões empresariais importantes.

Tillerson em dado momento teve um ataque de raiva, jogando um livro de mais de 10 centímetros de espessura para o outro lado da sala e saindo furioso da sala –talvez pelo efeito dramático. Os representantes do Iêmen e das demais empresas petroleiras parceiras da Exxon no consórcio internacional ficaram só olhando, atônitos.

Por fim, o Iêmen conseguiu que ao menos algumas de suas demandas fossem atendidas. Mas essa enérgica determinação de forçar os outros a fazer o que a pessoa quer pode ser exatamente o que presidente eleito Donald Trump procura em um secretário de Estado. E esse comportamento nada convencional pode abrir Tillerson a escrutínio mais rigoroso em suas audiências de confirmação no Senado, especialmente no que tange ao seu estreito relacionamento com a Rússia.

Daniel Kramer - 21.abr.2015/Reuters
Rex Tillerson, CEO da ExxonMobil, escolhido para o Departamento de Estado
Rex Tillerson, CEO da ExxonMobil, escolhido para o Departamento de Estado

"Ele é muito mais que um executivo de negócios", disse Trump sobre Tillerson em entrevista à rede de notícias Fox News, domingo, sem confirmar que Tillerson seria sua escolha. "É um jogador de classe mundial".

Para recomeçar do zero com a Rússia, como Trump prometeu durante sua campanha, talvez não exista um enviado melhor do que Tillerson, 64, que fez carreira na Exxon –depois da fusão de 1999, Exxon Mobil– extraindo muito combustível fóssil da terra russa, e foi até condecorado por sua amizade com o país.

Os Estados Unidos e a Rússia estão brigando hoje em dia de maneiras que não eram vistas desde antes do colapso da União Soviética.

Ucrânia e Síria são apenas dois dos pontos de conflito nos quais os dois países têm interesses conflitantes.

Os serviços de inteligência dos Estados Unidos confirmaram que a Rússia tentou influenciar de maneira clandestina a essência mesma da democracia dos Estados Unidos, ao piratear computadores e promover vazamento seletivo de informações a fim de prejudicar Hillary Clinton e beneficiar a candidatura presidencial de Donald Trump.

MANOBRAS

As habilidosas manobras de Tillerson na Rússia, em um momento de crescente tensão entre o país e o Ocidente, foram claramente demonstradas em 2014, pouco depois que os Estados Unidos e seus aliados impuseram sanções a Moscou por sua interferência nos assuntos internos da Ucrânia.

O presidente Barack Obama pediu a líderes empresariais dos Estados Unidos que não comparecessem a um importante fórum corporativo em maio daquele ano, e Tillerson obedeceu aos desejos do presidente.

Mas Tillerson, presidente-executivo da Exxon Mobil, mesmo assim conseguiu um assento à mesa, enviando em seu lugar o vice-presidente de exploração petroleira de sua companhia, Neil Duffin.

Duffin assinou um acordo para promover mais negócios com a estatal petroleira russa Rosneft e expandir as perfurações conjuntas de poços no Oceano Ártico, o desenvolvimento de campos de xisto betuminoso com novas tecnologias, e a cooperação na construção de uma usina de processamento de gás natural para exportação na Sibéria.

Sanções mais duras terminaram por congelar a expansão das atividades da Exxon na Rússia, mas Tillerson uma vez mais provou estar determinado a continuar fazendo negócios com o presidente russo Vladimir Putin.

"Tillerson será um mensageiro confiável e efetivo para um relacionamento reiniciado porque ele não é membro do establishment da política externa, e também porque seu histórico personifica o potencial de investimento de que a Rússia poderia desfrutar se tivesse um relacionamento melhor com os Estados Unidos", disse David Goldwyn, que foi o principal diplomata da área de energia do Departamento de Estado no primeiro mandato do presidente Obama.

Sobre Trump, Goldwyn disse que "ele claramente decidiu inverter a virada de Nixon e se aliar à Rússia contra a China. Ele acredita que provavelmente podemos fazer causa comum com a Rússia na Síria mas também na Líbia, e não vê problemas em apoiar um homem forte".

RÚSSIA

A Rússia pode ser o ponto forte de Tillerson, mas também o seu calcanhar de Aquiles. O governo russo lhe conferiu a Ordem da Amizade, em 2012, e a condecoração pode bem se provar um embaraço.

O senador Marco Rubio, republicano da Flórida, escreveu domingo no Twitter que "ser 'amigo de Vladimir' não é atributo que eu espero de um secretário de Estado".

Tillerson se opôs às sanções contra os russos, que são o maior obstáculo ao investimento estrangeiro no país.

A Rússia tem duas áreas enormes para novos projetos petroleiros, no Mar de Barents e no campo de xisto betuminoso de Bazhenov, no oeste da Sibéria, e elas estão essencialmente fechadas a desenvolvimento por falta de capital e conhecimento técnico estrangeiro. A Exxon estava se preparando para investir nas duas áreas, antes das sanções.

Governo Trump

Tillerson nem sempre é fácil de definir. Profundamente conservador e dedicado ao movimento do escotismo, ele mesmo assim pressionou essa organização a aceitar mais os direitos dos gays. Mas sob sua liderança, a Exxon demorou a adotar normas de proteção dos funcionários gays contra discriminação.

Ainda que sua reputação seja a de um líder com grande poder de decisão e capacidade de antever tendências, ele foi lento em apreender o pleno potencial da revolução do xisto betuminoso na produção de petróleo dos Estados Unidos.

Executivos da Exxon, que pediram que seus nomes não fossem mencionados porque não têm autorização para discutir a possível indicação, argumentaram que Tillerson pressionou por mais pesquisas sobre biocombustíveis avançados, captura e retenção de carbono, e impostos sobre as emissões, a fim de reduzir a produção de gases causadores do efeito-estufa.

Tillerson também levou a empresa a admitir a mudança do clima como problema sério, ainda que a tenha defendido fortemente contra investigações de diversos secretários estaduais de Justiça sobre acusações de que a Exxon Mobil expressou ceticismo sobre a mudança do clima em manifestações públicas em um momento no qual seus cientistas internos estavam alertando sobre os riscos da queima de combustíveis fósseis.

Tradução de Paulo Migliacci


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