Folha de S. Paulo


Trump anuncia Rex Tillerson como secretário de Estado dos EUA

Donald Trump pode ter iniciado uma guerra ao anunciar nesta terça-feira (13) seu secretário de Estado, o presidente da ExxonMobil, Rex Tillerson, visto como amigável demais à Rússia para o gosto de Washington.

Tillerson, 64, foi selecionado para cuidar da pasta de maior prestígio do governo americano, atualmente sob a guarda de John Kerry, e pela qual já passaram de Thomas Jefferson (1790-93) a Hillary Clinton (2009-13).

Daniel Kramer - 21.abr.2015/Reuters
Rex Tillerson, CEO da ExxonMobil, cotado para o Departamento de Estado
Rex Tillerson, CEO da ExxonMobil, cotado para o Departamento de Estado

É uma potencial dor de cabeça para o presidente eleito, já que o Senado precisa ratificar suas indicações para o primeiro escalão. O Congresso tem maioria republicana, mas caciques republicanos como os senadores John McCain (Arizona) e Marco Rubio (Flórida) já sinalizaram que não pretendem estender a faixa de boas-vindas a Tillerson.

Até aliados de primeira hora têm problema com o chanceler de Trump.

Na autobiografia "Going Rogue" (2009), a ex-governadora do Alasca Sarah Palin criticou o falcão do petróleo ("a gente chamava ele de T-Rex"). A estrela do movimento Tea Party bateu de frente com a indústria, "e a Exxon parecia particularmente hostil" à perda de espaço, escreveu.

Tillerson é executivo-chefe da sexta maior companhia em faturamento do mundo, de acordo com a lista das 500 maiores corporações da "Fortune" —entre as petroleiras, só perde para a estatal China National Petroleum. A receita de US$ 246 bilhões supera o PIB de países como Portugal e Chile.

Mas a Exxon tem bilhões de dólares em suspenso, por parcerias com a Rússia que não podem ir para a frente desde que os EUA impôs sanções ao país pela anexação da península ucraniana da Crimeia, em 2014.

Como chanceler, Tillerson poderia mexer os pauzinhos para ajudar a empresa para a qual serviu por quatro décadas, após pegar seu diploma de engenharia na Universidade do Texas.

É o que temem membros do partido do presidente. Se já é de esperar que democratas tentem barrar Tillerson, o apoio de uma ala republicana poderia sepultar a participação de Tillerson na próxima gestão.

"Ser um 'amigo do Vladimir' não é um atributo que espero de um secretário de Estado", tuitou Rubio, ex-rival de Trump nas prévias partidárias, três dias antes da nomeação ser selada.

Rubio

Em entrevista à CBS, McCain reforçou a má impressão. "Obviamente, eles [Putin e Tillerson] fecharam negócios enormes juntos, e isso iria contaminar sua abordagem de Putin e a ameaça russa."

O CAMINHO

A chancela de Tillerson funcionará assim: primeiro ele será investigado por vários departamentos, do FBI à Receita Federal. Depois, seu nome irá para o Comitê de Relações Exteriores do Senado, que pode convocá-lo para audiências e pôr sob escrutínio seus laços com a Rússia.

São 19 membros —10 deles republicanos. Supondo que o bloco democrata vote unido contra Tillerson, bastaria um "vira-casaca" do outro lado para barrar sua nomeação. Rubio poderia ser essa voz contrária.

Governo Trump

Com Tillerson formalmente indicado, o senador lhe prometeu uma sabatina "ampla e justa", mas reiterou seu receio a vê-lo no posto. "O próximo secretário de Estado deve ser alguém que vê o mundo com clareza moral e seja livre de potencial conflito de interesses."

Se o empresário conseguir ganhar o carimbo do comitê, ainda precisa de maioria simples no Senado (51 de 100 votos).

A partir de janeiro, quando o processo acontece, os republicanos terão 52 cadeiras. Bastaria três "fogos amigos", e Tillerson já era (isso se democratas sejam unânimes no repúdio a ele, o que também não é garantia).

RELAÇÕES EUA-RÚSSIA

A relação entre Washington e Moscou vive o pior momento desde a Guerra Fria, mas a geleira diplomática pode derreter assim que Trump assumir a Casa Branca.

O presidente eleito já deu reiteradas demonstrações públicas de afeto a Putin. Ele defende um diálogo construtivo com o presidente russo, acusados por vários órgãos de inteligência americanos de orquestrar ciberataques (como os e-mails de democratas vazados para o WikiLeaks) e, assim, interferir nas eleições dos EUA —alguns deles, como a CIA, acreditam que o fez para favorecer Trump.

Trump já contrapôs o estilo "durão" do líder russo à "fraqueza" de Barack Obama, um presidente incapaz de fazer com que o mundo respeite os EUA, em sua opinião.

Como pessoa privada, tuitou em 2013, quando sediou seu Miss Universo em Moscou: "Será que Putin vai? Caso sim, ele vai virar meu melhor amigo?" (ele não foi, mas mandou um presente).

Tillerson "seria a escolha número um de Putin", afirmou o campeão de xadrez Garry Kasparov, que lançou, que em 2015, o livro "Winter is Coming" (o inverno está chegando).

O título usa uma frase de "Game of Thrones", série que narra uma sangrenta e fictícia luta por poder, para fazer uma crítica aberta à Rússia sob comando do ex-agente da KGB.

"Ele recebeu a Ordem da Amizade, verdade. Assim como o ex-arcebispo da Igreja Anglicana e um ex-primeiro-ministro do Canadá. Se esses dois são espiões da KGB, então o mundo realmente está lascado", relativizou o historiador Timothy Stanley, em artigo para a CNN.

PÂNTANO

O site progressista Mother Jones destaca que Tillerson "é outro membro do pântano", em alusão à panelinha que Trump prometeu esconjurar da política.

Dos vários nomes que o presidente eleito cogitou para o posto —do ex-presidenciável Mitt Romney ao ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani—, poucos geraram tanto azedume político quanto o do executivo.

Nenhum dos cargos que já ocupou foi no setor público —é executivo-chefe da Exxon desde 2006, após 31 anos de casa, e chefiou os Escoteiros da América entre 2010 e 2012. Mas é bem relacionado nos bastidores do poder.

Chegou à Trump Tower, sede da equipe de transição, sob recomendação de Condoleezza Rice, secretária de Estado na gestão George W. Bush. Também tem a simpatia de Robert Gates, ex-chefe da pasta de Defesa nos governos Bush e Barack Obama. Os dois hoje trabalham com consultoria, e a Exxon seria um dos clientes, segundo o site Politico.

"Então Tillerson paga Gates e Rice por 'consultoria', seja lá o que isso quer dizer, e em troca eles o recomendam a Trump. Bem-vindos ao pântano, senhoras e senhores", diz o Mother Jones.

Outros veem a formação como ponto positivo. Suzanne Maloney, ex-funcionária da Exxon e hoje diretora de política externa no think-tank Brookings, de Washington, é desse time.

"Camaradas do petróleo sabem: qualquer um que dirige projetos multibilionários, por décadas, precisa de um entendimento profundo e flexível do contexto político", tuitou.

Trump defendeu sua escolha em comunicado: "A carreira de Rex Tillerson é a personificação do sonho americano. Por meio de trabalho árduo, dedicação e bons negócios, Rex subiu na hierarquia para se tornar o CEO da ExxonMobil. Ele sabe como gerenciar uma empresa global, o que é crucial para gerenciar uma Secretaria de Estado".

Sarah Palin tentou apaziguar o medo sobre um "revival" da Guerra Fria. "A Rússia está saindo do controle? É o que dizem os derrotados. Não se preocupem Lembrem-se que posso ficar de olho neles", tuitou no domingo (11).

Em uma de suas gafes mais memoráveis da campanha de 2008, na qual foi vice do presidenciável John McCain, tentou despistar sua inexperiência em política externa afirmando que conhecia bem os russos, já que "você pode ver a Rússia daqui do Alasca".

INTERIOR

Trump também bateu o martelo para o Departamento do Interior, segundo a mídia americana: o deputado Ryan Zinke (Montana), ex-comandante nos Seals (força especial da Marinha dos EUA).

A pasta supervisiona a exploração de petróleo em terras nacionais. Zinke é conhecido por votar contra pontos da agenda ambientalista no Congresso.


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