Folha de S. Paulo


Ante boatos, pais de vítimas de massacre em escola viram alvo de ódio

A onda de boatos que varre a internet atinge famílias das vítimas de Sandy Hook, escola em Connecticut onde, em 2012, um jovem de 20 anos disparou mais de 1.400 tiros em cinco minutos, matando 20 alunos e seis adultos.

Há quem esteja convencido de que o massacre nunca aconteceu –e esses céticos perseguem, com mensagens de ódio, pais de crianças mortas naquele dia, rotulando-os como "farsantes".

Adrees Latif-14.dez.2012/Reuters
ORG XMIT: AAL113 The families of victims grieve near Sandy Hook Elementary School, where a gunman opened fire on school children and staff in Newtown, Connecticut on December 14, 2012. A heavily armed gunman opened fire on school children and staff at a Connecticut elementary school on Friday, killing at least 26 people, including 20 children, in the latest in a series of shooting rampages that have tormented the United States this year. REUTERS/Adrees Latif (UNITED STATES - Tags: CRIME LAW EDUCATION TPX IMAGES OF THE DAY)
Familiares lamentam morte de crianças em massacre na escola Sandy Hook, em 2012

O ataque completa quatro anos na próxima quarta (14). Nesta quinta-feira (8), o pai de Noah, que tinha seis anos quando morreu, deu uma entrevista à CNN sobre mensagens de voz "muito intensas" deixadas em seu celular.

"Ainda lembro do frio na espinha escutando os recados", disse Len Pozner, sem especificar o conteúdo. Ele criou uma organização, Honr, para combater a disseminação de conteúdos falsos travestidos de notícia real.

"É ódio virtual, descrevo como um vírus, porque esse conceito continua a se espalhar", afirmou Pozner, ele próprio um ex-adepto de teorias da conspiração, até sofrer com uma delas, como revelou à "New York Magazine" em setembro.

Pozner já se perguntou se o homem realmente pousou na lua em 1969 e, antes de deixar o filho no colégio, gostava de ouvir o podcast de Alex Jones, do site InfoWars, pródigo em lorotas levadas a sério –como a de que o governo americano estava por trás dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, e que personalidades como Prince e a princesa Diana foram assassinadas por saberem demais de algum esquema (como a sociedade secreta Illuminati).

Noah usava uma camisa do Batman quando foi encontrado na escola, o rosto para cima, sem queixo. Seu pai só aceitou dar entrevista por telefone, sem dizer onde estava –diz querer se preservar após receber ameaças de morte.

O âncora da CNN Anderson Cooper, que cobriu o massacre em 2012, lembrou que até hoje dizem que ele foi cúmplice do governo na "farsa de Sandy Hook".

A emissora, segundo adeptos dessa tese, sequer esteve em Connecticut: teria usado um painel verde e, depois, introduzido digitalmente imagens de Sandy Hook para fingir que Cooper estava na cena.
"Deixem-me ser claros: suas alegações são insanas", disse o jornalista ao vivo, em seu programa, "AC360".

Uma das teorias da conspiração mais populares sobre Sandy Hook: o governo do democrata Barack Obama forjou o caso, para pressionar a aprovação de leis que fortaleçam o controle de armas.

Essa negação faz parte do "zeitgeist" atual, no qual a boataria frequentemente se sobrepõe à realidade. O fenômeno levou o dicionário Oxford a eleger como palavra de 2016 "pós-verdade" ("circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais").

Mentiras foram uma das forças que sequestraram a corrida presidencial dos EUA, com consequências que muitas vezes extrapolam a arena das redes sociais.

No começo da semana, um homem entrou numa pizzaria de Washington com um rifle para "investigar por conta própria" a notícia –obviamente falsa– de que o local servia de fachada para uma rede de prostituição liderada pela ex-presidenciável democrata Hillary Clinton.

Na quinta, Hillary falou sobre a "epidemia" de notícias falsas, que colocam "vidas em risco" fora do mundo virtual.


Endereço da página:

Links no texto: