Folha de S. Paulo


Trump diz que vai 'pensar' em ilegais trazidos crianças aos EUA

O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, sinalizou na quarta (7) que imigrantes trazidos ilegalmente ao país quando crianças podem, ao menos num primeiro momento, escapar da sua lista de deportação.

"Vamos pensar [num desfecho] que deixará as pessoas felizes e orgulhosas", disse à revista "Time", que o elegeu como a personalidade do ano (leia ao lado). "Eles vieram muito novos, trabalharam aqui, foram à escola aqui. Alguns são bons estudantes, têm empregos maravilhosos. E estão na 'terra do nunca-nunca' porque não sabem o que vai acontecer."

Arquivo Pessoal
A 'dreamer' brasileira Gisele Fetterman e a filha, com Hillary e seu ex-companheiro de chapa Tim Kaine
A 'dreamer' brasileira Gisele Fetterman e a filha, com Hillary e seu ex-companheiro de chapa Tim Kaine

Não sabem o que vai acontecer, em boa parte, graças a Trump. Ao prometer reverter programas de Barack Obama, ele jogou a chamada geração "dreamer" (sonhadora) num cenário de incerteza.

O batismo vem do Dream Act, projeto de lei de 2001 com um plano para a regularização de estrangeiros que entraram no país antes dos 16 anos e têm hoje menos de 35. O texto foi sucessivamente reintroduzido -e rejeitado- no Congresso.

Esses jovens ganharam um aliado em Obama, que em 2012 lançou o Daca, espécie de anistia temporária a "dreamers" –temporariamente protegidos da deportação e autorizados a trabalhar.

Se agora fala em acolher quem muitas vezes sequer tem lembrança do país natal, na campanha Trump foi fiel à retórica linha-dura contra os 11 milhões de imigrantes ilegais e prometeu interromper "imediatamente" o Daca.

O drama dos "dreamers": sob a bênção do governo Obama, cerca de 740 mil saíram das sombras e se registraram no programa. Agora, receiam que Trump use os dados para persegui-los.

A equipe do bilionário não ajuda a serenar ânimos. Em 2010, o senador Jeff Sessions (indicado como secretário da Justiça) elencou "dez motivos" para se opor ao Daca.

"Americanos rejeitam a anistia enquanto essa inaceitável ilegalidade continuar", disse. Um porém: esses jovens poderiam usufruir de empréstimos estudantis e outros subsídios do governo.

A mexicana Elizabeth Vilchis é uma das que temem por seu futuro. Ela contou sua história na CNN: hoje engenheira mecânica, veio aos EUA com 7 anos. Ao ganhar consciência sobre seu status, diz que decidiu "ser parte da solução". Correu atrás do diploma para contribuir com o país, incentivando "dreamers" como ela a fazer o mesmo. Se Trump rasgar o Daca, disse, "minha carreira termina, e eu potencialmente viro apta à deportação".

Seu interlocutor, o ex-senador Rick Santorum, republicano como Trump, tem algo em comum: seu pai também tinha 7 anos quando a família italiana desembarcou em solo americano.

O político, contudo, não mostrou empatia por Vilchis, que lhe pediu um conselho sobre o que fazer se "dreamers" forem acossados pela nova Casa Branca. Disse ele à jovem com voz embargada: "Você não teria as oportunidades [que os EUA lhe deram] em outro lugar".

Defendeu, então, que ela usasse sua formação para "ir a qualquer outro país" e, após dez anos de banimento exigidos pela lei (que ele concordou ser um exagero), tentasse voltar pela via legal.

Uma estrategista republicana, Ana Navarro, também participava do debate e tentou acalmar Vilchis: "Não importa o que ele ou qualquer um digam, este é o seu país".

BRASILEIRA

A "dreamer" carioca Gisele Barreto Fetterman, 34, mora no Estado que o ex-senador representou, Pensilvânia. Tinha 8 anos quando chegou -a mãe, uma nutricionista "solteira, bem corajosa e bem doida", pediu que ela e o irmão fizessem a mala um dia: sairiam numa aventura. Virou faxineira nos EUA. "Estava cansada de ser assaltada no Rio. Nunca mais voltou."

Gisele hoje é cidadã americana: casou com um americano e teve três filhos ("todo mundo pensa que sou a babá, são todos loirinhos"). Mas sente a dor de amigos ilegais, como ela foi por anos, após entrar com o visto de turista.

Democrata, ela postou na internet o convite para o primeiro debate entre sua candidata, Hillary Clinton, e Trump, em setembro.

"De imigrante ilegal a convidada", dizia a legenda. "Vim para ficar."


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