Folha de S. Paulo


Líderes mundiais enfrentam riscos ao se aproximar de inimigos do passado

Jim Watson-25.mai.2016/AFP
Presidente Barack Obama (à esquerda) e primeiro-ministro Shinzo Abe se cumprimentam, em Shima
Barack Obama (à esq) e o premiê Shinzo Abe se cumprimentam, em Shima, em maio

Reconciliações podem ser complicadas. Foram precisos 70 anos para que um presidente norte-americano visitasse o local do bombardeio atômico de seu país a Hiroshima, e quase 75 para que um líder japonês anunciasse que visitaria Pearl Harbor, como o primeiro-ministro Shinzo Abe fez na segunda-feira (5).

É provável que Abe encontre recepção calorosa na visita que tem planejada, ainda este mês, ao memorial aos mais de 2.300 norte-americanos que morreram no ataque japonês à base naval norte-americana no Havaí, em 1941. Mas esse nem sempre foi o caso para outros líderes mundiais em visitas semelhantes, especialmente em casos nos quais as feridas eram mais recentes.

-

REAGAN EM BITBURG

O então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e o então chanceler alemão, Helmut Kohl, causaram protestos mundiais em maio de 1985, quando o líder norte-americano visitou um cemitério militar alemão no qual estavam sepultados 49 integrantes da Waffen SS, a tropa de elite de Adolf Hitler.

Reagan cumpriu a promessa de visitar o cemitério a despeito de uma tempestade de críticas de organizações judaicas, veteranos de guerra norte-americanos e outros grupos. Ele adicionou ao itinerário uma visita ao campo de concentração de Bergen-Belsen. Kohl defendeu o convite como "um gesto demonstrativo de reconciliação".

-

CLINTON NO VIETNÃ

O então presidente norte-americano Bill Clinton foi recebido como um astro do rock no Vietnã, em novembro de 2000. Clinton foi o primeiro presidente dos Estados Unidos a visitar o país depois da Guerra do Vietnã, encerrada em 1985, que matou mais de 58 mil militares norte-americanos e 3 milhões de vietnamitas.

Clinton continua popular no Vietnã porque os Estados Unidos normalizaram suas relações com o antigo inimigo durante sua presidência, em 1995. Elas foram completamente normalizadas em maio, quando o presidente Barack Obama anunciou uma suspensão das restrições à venda de armas norte-americanas ao país, durante uma visita a Hanói.

-

12.set.2006/MEHR NEWS/AFP
ORG XMIT: 254201_1.tif O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad (à direita), durante reunião com o primeiro-ministro iraquiano, Nuri al Maliki, em Teerã, no Iraque. Ahmadinejad ofereceu ajuda
Mahmoud Ahmadinejad (à dir.) se reúne com o premiê iraquiano, Nuri al-Maliki, em Teerã, em 2006

AHMADINEJAD NO IRAQUE

Mahmoud Ahmadinejad, o presidente linha-dura do Irã, visitou o Iraque em março de 2008, tornando-se o primeiro líder de seu país a viajar para lá desde que as duas nações vizinhas travaram uma sangrenta guerra de fronteira que deixou mais de 1 milhão de mortos, na década de 1980.

A visita dele veio cinco anos depois que uma invasão liderada pelos Estados Unidos derrubou o ditador iraquiano Saddam Hussein, que iniciou o conflito com o Irã em 1980. A influência do Irã no Iraque cresceu, de lá para cá, e milícias xiitas apoiadas pelo Irã agora lideram os combates, em alguns campos de batalha, contra a facção terrorista Estado Islâmica.

-

VUCIC EM SREBRENICA

Uma explosão de raiva aconteceu em julho de 2015 quando o primeiro-ministro sérvio Aleksandar Vucic participou de uma cerimônia que marcava o 20º aniversário do massacre de muçulmanos em Srebrenica, Bósnia-Herzegovina. Milhares de pessoas participaram da cerimônia em memória do aniversário do pior massacre na Europa desde o final da Segunda Guerra, a matança de 8.000 muçulmanos por sérvios da Bósnia.

Vucic, no passado um político ultranacionalista, compareceu como representante da Sérvia à cerimônia, aparentemente em um gesto de reconciliação. Milhares de pessoas vaiaram e apuparam quando ele entrou no cemitério para depositar uma coroa de flores. Manifestantes começaram a atirar garrafas de água e outros objetos contra Vucic, que partiu apressadamente. Os óculos dele foram quebrados, mas não houve ferimentos graves.

-

Carlos Barria/Reuters
O presidente Barack Obama abraça Shigeaki Mori, sobrevivente do bombardeio atômico de Hiroshima em 1945, em memorial no Japão
Obama abraça sobrevivente do bombardeio em Hiroshima em 1945, em memorial no Japão

OBAMA EM HIROSHIMA

O presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, correu o risco de ser criticado em seu país ao decidir visitar o memorial que homenageia as 140 mil pessoas mortas no bombardeio atômico a Hiroshima, no final da Segunda Guerra. Os japoneses em geral receberam positivamente a sua visita e elogiaram o discurso que ele fez, conclamando a humanidade a impedir guerras e a buscar um mundo sem armas nucleares.

Obama não pediu desculpas pelo bombardeio, e o Japão não solicitou que o fizesse. A simples visita a Hiroshima já teria sido difícil, se não impossível, para presidentes norte-americanos precedentes.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: