Folha de S. Paulo


Morte de Fidel mostra que Cuba deve acelerar reformas, diz economista

A morte de Fidel Castro terá pouco impacto nas reformas políticas e econômicas de Cuba, que devem seguir enfrentando barreiras estruturais dentro e fora do país.

Essa é a opinião do economista Ricardo Torres, 35, professor do Centro de Estudos da Economia Cubana, da Universidade de Havana.

Torres falou à Folha, por e-mail, sobre o envelhecimento da liderança política, a inércia da burocracia estatal e o cenário internacional adverso para o país.



Folha - A morte de Fidel traz risco de instabilidade ao país?
*Ricardo Torres - * Embora Fidel ainda fosse um símbolo, os cubanos sabiam que ele não fazia mais parte do governo. Contudo, sua morte significa um passo a mais na iminente troca geracional de poder. Talvez mostre a importância de se conduzir esse processo com mais rapidez.

Que diretrizes foram introduzidas por Raúl Castro para modernizar a economia?
Raúl propôs mudanças controladas para uma economia mista (com mais participação do setor privado nacional e estrangeiro), na qual o Estado se concentra em aspectos estratégicos e usa instrumentos indiretos de regulação por meio de política monetária, cambial, fiscal e comercial. Havia previsão de mais abertura e integração com a economia mundial.

Depois de 6 ou 7 anos, os resultados são modestos. O crescimento econômico tem sido muito baixo, as decisões fundamentais são lentas e a reforma do setor público está muito atrasada. A burocracia estatal se tornou uma força de grande resistência às mudanças. Além disso, o entorno internacional se deteriorou, debilitando ainda mais a economia cubana. Por outro lado, houve avanços importantes no reconhecimento dos direitos individuais.

Como atender às expectativas da população com alto nível educacional numa economia que gera poucos empregos e baixos salários?
Esse é um dos grandes desafios do modelo cubano. Um enorme problema surge com a drenagem da força de trabalho para outras atividades no país e para o exterior. A solução passa por permitir a todos os cidadãos exercer suas iniciativas empresariais em qualquer atividade. É preciso facilitar o acesso a mais investimentos estrangeiros.

Que papel desempenham os atores privados hoje?
O governo planeja dar estatuto legal de empresários aos "cuentapropistas" (microempresários) que já possuem empresas funcionando. Certamente, será um grande passo para aprofundar as mudanças, mas é preciso ver qual espaço há para essas pessoas no modelo cubano. Ainda há muito preconceito (com os empreendedores).

As reformas causaram algum dano, como por exemplo o aumento da criminalidade?
As reformas têm debilidades que podem potencializar o aumento da desigualdade, pois só um grupo pequeno se beneficiou realmente das mudanças. Não creio que a delinquência tenha necessariamente aumentado, mas será importante monitorar sua evolução. Uma sociedade mais desigual tende a alimentar esse tipo de conduta.

Quais serão as barreiras financeiras para se levar a cabo as reformas?
Embora o processo de normalização das relações de Cuba com os mercados já tenha começado, sua concretização ainda levará tempo. As sanções americanas complicam esses esforços. Outro problema é que as exportações cubanas não crescem no ritmo necessário.

A China representa uma alternativa ou os EUA são a opção natural para investimentos e oportunidades comerciais?
A China é um importante credor de Cuba, mas não pode suprir todas as necessidades do desenvolvimento cubano. É importante estabelecer relações com outros sócios e instituições. Todas as dependências são negativas para o desenvolvimento de um país pequeno.

Os planos de modernização econômica foram afetados pela eleição de Trump?
Trump é um desafio, porque se cercou de pessoas críticas ao governo cubano. Devemos esperar para saber qual será a influência real de seus assessores.
Como empresário, Trump não tem interesse pessoal em desfazer a política de Obama para Cuba.


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