Folha de S. Paulo


Cubanos recorrem à religião em homenagens a ditador Fidel Castro

Sylvia Colombo/Folhapress
Cubanos participam de missa na igreja de Santa Bárbara em no bairro de Párraga
Cubanos participam de missa na igreja de Santa Bárbara no bairro de Párraga, em Havana

Para um regime que deu as costas à religião por muitos anos, as despedidas a Fidel Castro em Havana tiveram forte conexão com o sagrado.

Imagens do papa em sua visita a Cuba foram espalhadas pelas janelas da capital cubana durante os dias de seu cortejo fúnebre, e, neste domingo (4), muitos foram à missa levando imagens do ditador morto.

Pela manhã, a Folha esteve na igreja de Santa Bárbara, no bairro humilde de Párraga, onde se celebrou o dia da santa homônima, cuja cor símbolo, aqui na ilha, é justamente o vermelho.

Além de fiéis católicos, a missa foi assistida também por seguidores da religião iorubá, vestidos de branco e cheios de colares.

"Seguimos ambas as crenças, não temos problemas com isso, melhor mais santos do que menos", diz, rindo, Aída Gomez, vendedora de pães em Párraga.

"Sou filho do Che e filho de Xangô", disse Ignacio Menéndez, 28, que exibia sua tatuagem de Che Guevara, e vestia-se como um seguidor da religião afrocubana.

Contou não se incomodar com o fato de que, durante muitos anos, o culto aos deuses afro ter sido considerado menor, ou mesmo ter sido praticado apenas clandestinamente, por ser malvisto pelos católicos.
"Não há que se guardar rancores. Cuba está mudando, vamos ficar com o que há de bom no regime e melhorá-lo. Hoje praticamente há liberdade de culto no país", concluiu ele.

A missa, celebrada pelo arcebispo de Havana, Juan de la Caridad García Rodríguez, não teve menções diretas a Fidel Castro, mas o religioso citou o prócer José Martí (1853-1895) mais de uma vez, reforçou o papel da família para que Cuba atravessasse "esses dias de dor pelos quais passa o nosso país", condenou o aborto e pediu que os casais andassem sempre de mãos dadas na rua ("para evitar o ataque das víboras da tentação").

Durante toda a celebração na igreja, ao lado da bandeira do Vaticano havia uma bandeira cubana.

RUSGAS

Questionado pela reportagem ao final da missa, o arcebispo disse não querer falar de Fidel Castro nem das rusgas do passado entre a Igreja e o regime.

"Tenho que pensar nas pessoas que estão aqui, agora", enquanto cumprimentava, um por um, os fiéis que deixavam o culto.

"Fidel não vai virar santo, porque ele mesmo disse que não quer sua imagem em bustos, estátuas, não quer ser cultuado. Mas nós certamente vamos pensar nele e pedir coisas a ele nos momentos de dificuldade", disse Ximena González, moradora do bairro de Párraga.


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