Folha de S. Paulo


Ex-neonazista americano conta como se tornou um extremista

Anna Virginia Balloussier/Folhapress
O ítaloamericano Christian Picciolini, 43, autor de
O ítalo-americano Christian Picciolini, 43, autor de "Suástica Yankee: Memórias de um Ex-Skinhead Neonazista" (editora Seoman).

Brinco que, se a maior das bailarinas fosse minha vizinha, eu estaria dançando. Mas, em vez disso, o primeiro grande neonazi americano morava na casa ao lado.

Meus pais, imigrantes italianos, sofriam preconceito. Professores e alunos não foram amigáveis quando minha mãe chegou, com 16 anos. No ônibus escolar, jogavam bolas de neve nela, xingavam-na por não falar inglês.

Então, racismo era o oposto do que me ensinavam em casa.

Meus pais tinham um salão de beleza e trabalhavam 14 horas por dia. Ficava muito sozinho e sofria bullying por ser pequeno e italiano.

Eu me envolvi [com o movimento skinhead] aos 14, em 1987. Estava num beco fumando maconha. Um homem saiu do carro, tirou o baseado da minha boca e disse: "Você não sabe que é isso que os judeus e os comunistas querem de você, para controlá-lo?". Eu nem sabia o que era um judeu ou um comunista. Mas sabia que não queria ser controlado.

Ali fui recrutado. Aquele homem, Clark Martell, formou o primeiro grupo neonazi dos EUA [Chicago Area Skinheads]. Ele prometia que eu não sofreria mais bullying e que minha origem europeia era motivo de orgulho. Se eu fosse com ele, teria amigos e aceitação. Clark dizia que a diversidade no país provocaria um genocídio branco. Sem entender muito, fui na dele.

Diziam que negros e latinos vinham ao meu bairro e causavam crimes. Duas semanas depois, minha bicicleta foi roubada e apanhei de três garotos negros. Pensei: "Nossa, o Clark está certo!".

Ensinaram-me, e ensinei a outros, que se não fizéssemos algo, a raça branca seria varrida da Terra. E que eu deveria ser violento, mesmo com quem não fez nada comigo.

Comprei armas para a "revolução branca". AK-47, coisas assim. Nós, skins, nos vestíamos como soldados: coturnos, cabeça raspada. Entrei em muitas brigas, até com brancos que discordavam da gente. Às vezes, deixávamos a pessoa no chão sem saber se estava morta. Acho que nunca matei ninguém.

Quando tinha 18, fui a um McDonald's após beber. Dentro, três garotos negros e uns sete da gente. Disse: "Este é meu McDonald's, cai fora". Correram. Fomos atrás.

Um deles tirou uma arma e atirou, mas errou. Batemos nele a ponto de não vermos mais seu rosto, todo coberto de sangue. Aí me conectei com os olhos dele.

Percebi: alguém em alguma casa o amava e ficaria devastado. Nunca mais cometi um ato de violência. Antes, aos 17, virei número 1 da minha área, porque nosso líder foi preso. Ele e mais uns viram uma garota com um negro, foram à casa dela, a espancaram e pintaram uma suástica com seu sangue.

Entrei na liderança nacional e comecei a primeira banda skinhead dos EUA. Tive duas: American White Youth e Final Solution. Cantávamos sobre nossos heróis, como Hitler. Até que conheci uma garota, Lisa, uma punk. Ela me mudou, pois eu não queria ser feio perto dela. Tivemos um filho. Pode soar ingênuo, mas, quando segurei o bebê, me reconectei com a inocência que perdi. Tinha 19 anos.

Precisava sustentar a família e abri uma loja de discos. Música "white power" era 75% do meu lucro. Mas era ambicioso: por que só lucrar com meus irmãos e irmãs? Decidi vender hip hop, heavy metal. Novos clientes vieram. Negros, judeus, gays.

Com o tempo, conheci as pessoas que odiava. Comecei a humanizá-las. Quando o jovem negro disse que sua mãe estava com câncer, era a mesma dor que senti quando minha avó morreu assim.

Aos 22, abandonei o movimento de vez. Escondia minhas tatuagens com manga comprida: suásticas, coisas assim. Arranjei um emprego. No primeiro dia, me colocaram num colégio de onde fui expulso duas vezes. Não sei se foi carma Claro que vi o velho guarda negro com quem entrei numa briga.

Só consegui dizer: desculpa. Choramos juntos, e ele me fez prometer que eu contaria minha história.

Abri o Life After Hate com um amigo ex-skinhead que reencontrei no Facebook. Percebi que eu precisava ajudar outros que passaram pela mesma coisa.


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