Folha de S. Paulo


Italianos votam em referendo que pode levar à queda de premiê

Eleitores italianos votarão neste domingo (4) em um referendo convocado pelo premiê, Matteo Renzi, para alterar a Constituição, na maior proposta de mudança no texto desde o fim da Segunda Guerra (1939-1945). Brasileiros com cidadania italiana podem votar por correio.

A população deve rejeitar a proposta, o que seria interpretado como uma rejeição ao próprio governo, cuja popularidade tem diminuído.

Remo Casilli/Reuters
 Supporters wave flags during a rally led by Italian Prime Minister Matteo Renzi in downtown Rome, Italy October 29, 2016. REUTERS/Remo Casilli/File Photo ORG XMIT: LONX202
Manifestantes defendem aprovação de reforma na Constituição da Itália

Como Renzi ameaçou renunciar no caso de vencer o "não", o voto pode significar o fim de seu mandato. Com isso, o resultado ameaça também a permanência da Itália na União Europeia, ainda que o referendo não esteja diretamente relacionado ao bloco econômico.

SENADO

O referendo convocado por Renzi propõe 47 alterações na Constituição italiana, inflando o poder central e esvaziando os regionais.

Para o premiê, o sistema italiano é burocrático e lento e precisa ser simplificado. Leis poderiam ser aprovadas mais rapidamente com essas medidas. Uma das mudanças mais sensíveis é a redução do Senado, tanto em tamanho quanto em funções. O número de senadores diminuiria de 315 para 110, e a Casa não poderia mais, por exemplo, dissolver um governo.

O Senado deixaria também de aprovar leis, exceto em casos como modificações na Constituição, nas leis eleitorais e nos órgãos oficiais.

REFERENDO NA ITÁLIA - Voto sobre reforma constitucional no domingo (4) pode levar à renúncia do premiê

Os críticos da reforma dizem que essas mudanças vão concentrar poder nas mãos do premiê sem, no entanto, resolver os entraves da economia, ainda afetada pela crise financeira global.

"O clima hoje é avesso ao 'establishment'", afirma à Folha o analista James Dennison, do Instituto Universitário Europeu. Ele é especializado em participação política e em partidos europeus.

"Renzi está propondo algo que não responde a nenhuma das questões concretas enfrentadas pela população. É uma proposta abstrata. Ninguém acha que isso vai solucionar os problemas."

O voto pode ser utilizado, assim, como uma maneira de protesto contra o premiê.

"Os eleitores enxergam uma oportunidade de votar contra ele", diz Leonardo Morlino, cientista político na Universidade Guido Carli.

EURO

Renzi amenizou recentemente suas ameaças de renúncia, se for derrotado. Mas a pressão política talvez seja insuportável, depois do voto, e a saída do premiê abriria espaço para partidos populistas e avessos à União Europeia, como o Cinco Estrelas.

É possível que eleições sejam convocadas para 2017, acompanhadas de um referendo não vinculante em relação à zona do euro.

O bloco é visto por descontentes como um dos fatores responsáveis pelo desempenho ruim da economia. O PIB (Produto Interno Bruto) deve crescer 0,8% neste ano.

A probabilidade de a Itália deixar a zona do euro nos próximos 12 meses está em 19,3%, segundo uma pesquisa realizada pela firma de investimentos Sentix, baseada em Frankfurt. A empresa ouviu mais de mil investidores entre 24 e 26 de novembro.

INDECISÃO

Brasileiros com cidadania italiana e registrados para votar já devem ter recebido as cédulas para participar do referendo. Os envelopes precisam ser devolvidos ao consulado até quinta-feira (1º).

"É uma reforma complexa", afirma o analista Dennison. "A maior parte das pessoas não está acompanhando o debate e grande parte da população está indecisa."

Uma pesquisa divulgada em outubro pelo canal italiano Rai sugere que apenas 17% da população "conhece bem" o que está em discussão no referendo. A maior parte (46%) diz entender apenas "superficialmente".

"Isso favorece os populistas, como o Cinco Estrelas", diz Dennison.

Beppe Grillo, líder desse movimento antissistema, pediu que os eleitores votem com seus "instintos".

"Não adiante eu explicar o referendo para vocês. Vocês não vão entender. Nem eu entendo", afirmou Grillo.


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