Folha de S. Paulo


Cuba começa homenagens a Fidel; dissidência é cética sobre mudança

À margem das homenagens oficiais a Fidel Castro, críticos do regime cubano veem as celebrações com indiferença e não acreditam em mudanças com a morte do líder que implantou o comunismo na ilha, em 1959.

"Com a morte de Fidel, fica tudo igual", disse à Folha Berta Soler, 53, do Damas de Branco, o grupo dissidente de maior visibilidade interna e formado por mulheres e parentes de presos políticos. "Já faz dez anos que Raúl Castro está mandando."

Carlos Barria/Reuters
Centenas de cubanos fazem fila na praça da Revolução, em Havana, para passar em frente a uma imagem de Fidel Castro, como parte das homenagens
Cubanos fazem fila na praça da Revolução, em Havana, para passar em frente a imagem de Fidel

Outros dissidentes, como Guillermo Fariñas, acreditam que haverá maior repressão, já que Raúl não tem o carisma do irmão, diminuindo a legitimidade do regime.

Segundo a Comissão Cubana de Direitos Humanos (CCDH), há 93 presos políticos em Cuba. Recentemente, em resposta a um pedido do papa Francisco, Raúl indultou dezenas de dissidentes.

Nesta segunda-feira (28), uma salva de canhão às 9h locais (12h em Brasília) marcou o início da despedida de Fidel, cuja morte foi anunciada na sexta-feira (25).

Desde as primeiras horas da manhã, alguns milhares de cubanos começaram a chegar à icônica Praça da Revolução, onde as cinzas de Fidel ficarão até quarta-feira, quando o cortejo começa uma peregrinação de 900 km até Santiago de Cuba.

A multidão reunia caravanas de funcionários públicos, pessoas que vieram por conta própria e estrangeiros.

Por questão de segurança, o acesso à praça foi restrito a algumas entradas, e grandes filas logo se formaram nos pontos de acesso sob o sol ameno do outono caribenho.

Ao contrário do previsto, a urna com a cinzas não estava exposta. Em seu lugar, havia uma fila diante de um altar que trazia a foto de um Fidel jovem, em traje militar e com mochila nas costas. Militares flanqueavam a imagem.

Trajando o uniforme da Aduana cubana, Mario Betancourt, 73, chegou à praça com colegas de trabalho. Ele definiu o ditador cubano como "escudo" do país.

"Ouvir seus ensinamentos por 50 anos nos fez comunistas. E comunista significa muitas coisas, como deixar de ser egoísta." Para ele, nada muda com a sua morte. "O partido tem o caminho traçado, não é ideia de um homem apenas", diz Betancourt, que trabalha na Aduana há 30 anos e esteve no Exército.

Mesmo mancando por causa de um problema no joelho, a aposentada Mercedes Soto, 65, caminhou sozinha à praça de sua casa, a algumas quadras. "Ele me inspirou a me tornar enfermeira. Antes, só ricos iam à universidade."

Também havia um grupo de cerca de 30 veteranos da guerrilha de Fidel que tomou o poder em Cuba, em 1959.

"Fidel deixou o futuro escrito. E para lá vamos", disse o veterano Hever Sánchez, 78. Em seguida, perguntou: "Lula vem?".

A cobertura da imprensa estrangeira foi criticada pela jornalista Zunilda Mata, do site independente 14 y medio, cofundado pela blogueira dissidente Yoani Sánchez e bloqueado dentro de Cuba.

"Os jornalistas estrangeiros são vistos nas ruas tentando entrevistar qualquer um que passa. Muitos baixam o olhar e se recusam. Quando finalmente conseguem algumas declarações, são apenas as que coincidem com o discurso oficial", escreveu Mata, em artigo publicado nesta segunda-feira.

FIDEL E JESUS

Em declaração à TV estatal, o ex-assessor presidencial de Lula Frei Betto disse que, ao saber da morte de Fidel, agradeceu a Deus pela vida revolucionária do amigo.

"Quando perguntam a Jesus, quem será salvo, ele disse: 'Tive fome, e me deram de comer; tive sede, e me deram de beber; tive doente, e me deram saúde; estive sob opressão, e me deram liberdade. Fidel fez tudo isso pelo povo de Cuba."


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