Folha de S. Paulo


Negócios de Trump podem ameaçar governo do republicano

Donald Trump está a 55 dias de se mudar para a Casa Branca, e já há quem aposte em seu despejo.

Especulações de que o presidente eleito poderá sofrer um impeachment se debruçam sobretudo em sua cartela de negócios no exterior, o que pode gerar conflito de interesses com políticas externas de sua gestão. Fora dos EUA, o empresário tem ao menos 150 companhias em 25 países, segundo a CNN.

Os casos variam. Ele tanto licencia a "marca Trump" (como uma vodca já fora do mercado) como tem propriedades internacionais com seu nome (entre elas um hotel no Rio).

Jim Watson/AFP
Donald Trump na Casa Branca, durante encontro com o presidente Barack Obama no dia 10
Donald Trump na Casa Branca, durante encontro com o presidente Barack Obama no dia 10

Produtos da Donald J. Trump Colletion (de óculos escuros a gravatas) e da Trump Home (linha para casa que inclui lustres) têm etiquetas de países como China e Turquia –ainda que Trump seja duro com empresas que retirem suas plantas dos EUA, chegando a eliminar biscoitos Oreo da dieta após a fabricante transferir operações para o México.

É difícil precisar o alcance de sua rede global, já que ele ainda não divulgou anos de declarações de Imposto de Renda. Dono de estimados US$ 4,5 bilhões, fortuna que supera a soma patrimonial dos 43 antecessores, Trump já disse que não pretende liquidar seu império corporativo –o que levanta questões éticas, mas não legais.

Diz que passará o bastão para os filhos. O problema é que três estão em sua equipe de transição, e há sérias dúvidas de que o pai não conversaria com eles sobre decisões administrativas.

Na semana passada, duas condutas que mostram dificuldade em separar público e privado. Trump levou a filha Ivanka para um encontro com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe. Dias depois, três parceiros indianos na construção de uma Trump Tower em Mumbai publicaram uma foto ao lado de Trump –Ivanka e o irmão Eric estavam na reunião.

O futuro mandatário nega que usará seu poder em benefício próprio. "Antes da eleição, já era bem sabido que eu tenho interesses em propriedades no mundo todo. Apenas a mídia trapaceira faz barulho sobre isso!"

Trump pode não ser obrigado a se desfazer de seus negócios, mas há margem constitucional para incriminá-lo. Ele não poderia, por exemplo, aceitar presentes e pagamentos de governos estrangeiros sem aval do Congresso.

Exemplo de conflito de interesses: o Banco da China aluga espaço num prédio de Trump em Manhattan, e o Trump Hotel em Washington tem atraído líderes de fora. Cerca de cem diplomatas, do Brasil inclusive, lá bebericaram champanhe da marca Trump na semana passada, em evento da comunidade, segundo o "Washington Post".

DIFÍCIL, NÃO IMPOSSÍVEL

Hoje, é improvável que Trump sofra um impeachment, já que republicanos controlam Senado e Câmara, e tudo indica que a maioria continuará quando parte do Congresso for renovada em 2018.

Um cenário possível, contudo: notório "fio desencapado", ele pode se indispor com seu partido. O colunista do "New York Times" projetou: "O cara provavelmente vai renunciar ou sofrer impeachment em menos de um ano".

O professor da American University Allan Lichtman, que previu a vitória de Trump, aposta no mesmo desfecho: o Congresso teme Trump "por não conseguir controlá-lo", e ele "certamente" daria motivo para ser afastado, "fazendo algo que comprometa a segurança nacional ou que o enriqueça".

Supondo que aconteça. "Mas quem os progressistas preferem: Trump, o demagogo, ou [Mike] Pence, o ideólogo?", questiona Jeet Heer, editor da "New Republic".

Se com Trump não há certeza de nada, com seu vice sabe-se o que esperar –conservadorismo linha-dura. Uma amostra: Pence ganhou nota A da Associação Nacional do Rifle, por suas posições pró-armas, e sancionou uma lei para assegurar que fetos abortados sejam cremados ou enterrados, num claro recado de que os considera pessoas e, logo, aborto equivale a assassinato.


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