Dias antes da eleição presidencial, James Alefantis, proprietário de uma pizzaria chamada Comet Ping Pong, notou um aumento incomum no número de seus seguidores no Instagram.
Em questão de horas, mensagens ameaçadoras como "estamos de olho em você" começaram a aparecer em suas atualizações no aplicativo. Nos dias seguintes, centenas de ameaças de morte –uma dizia "Vou matá-lo pessoalmente"– começaram a chegar por meio de textos, Facebook e Twitter. Todas alegavam algo que deixou Alefantis de queixo caído: que a Comet Ping Pong era a sede de uma rede de abuso infantil liderada por Hillary Clinton e o chefe de sua campanha, John D. Podesta.
Quando Alefantis descobriu que seus funcionários estavam recebendo mensagens abusivas semelhantes, ele fez uma pesquisa online para elucidar as acusações. Encontrou dezenas de artigos falsos sobre Hillary sequestrar, molestar e traficar crianças nos cômodos nos fundos da pizzaria. Os artigos apareceram no Facebook e em sites como "The New Nationalist" e "The Vigilant Citizen", com uma das manchetes clamando: "Pizzagate: Como 4Chan descobriu o mundo doentio da elite oculta de Washington".
Nada disso era verdade. Embora tenha alguns amigos democratas proeminentes em Washington e fosse apoiador de Hillary Clinton, Alefantis jamais a encontrou, nem vende ou comete abusos com crianças e não está sendo investigado pela polícia por qualquer dessas alegações. Ele e seus 40 funcionários se tornaram inadvertidamente pessoas reais apanhadas no meio de uma tempestade de notícias falsas.
"A partir dessa teoria da conspiração fabricada e insana, sofremos ataques constantes", disse Alefantis, 42, que outrora se relacionou com David Brock, um ex-jornalista provocativo de direita que se tornou um veemente defensor de Hillary Clinton.
Alefantis suspeita que esse relacionamento possa ter contribuído para transformá-lo em alvo. "Passei dias sem fazer nada, a não ser tentar esclarecer tudo isso e proteger minha equipe e meus amigos de serem aterrorizados", relatou ele.
Notícias falsas online estão no centro de um intenso debate nas últimas semanas sobre como elas podem ter influenciado os eleitores na eleição presidencial. O presidente Barack Obama advertiu na semana passada que estamos "em uma era na qual há muitas informações falsas e tudo muito bem apresentado" em sites nas redes sociais. A crítica atacou empresas da internet como Google e Facebook, cujo executivo-chefe, Mark Zuckerberg, prometeu trabalhar em ferramentas de tecnologia para conter a enxurrada de informações digitais falsas.
A experiência de Alefantis, porém, mostra que não só políticos e empresas da internet estão lutando com a explosão de boatos. Ele, sua equipe e amigos são um novo tipo de cidadão que se tornou alvo de distribuidores de artigos falsos e seus consumidores.
Por mais de duas semanas, eles se empenharam em lidar com os comentários abusivos nas redes sociais e em proteger fotos de seus próprios filhos, que foram usadas nos artigos falsos como prova de que a pizzaria dirigia uma rede de pedofilia. Uma pessoa chegou a visitar a Comet Ping Pong para investigar pessoalmente as denúncias.
Para combater a onda de boatos, Alefantis contatou o FBI e a polícia local e solicitou ao Facebook, Twitter, YouTube e Reddit que eliminassem os artigos. Mesmo assim, as informações falsas continuaram se espalhando e viraram uma teoria conhecida como #pizzagate, que chegou até a Irlanda. A certa altura, a equipe da Comet contabilizou cinco postagens por minuto sobre #pizzagate no Twitter. Na noite do último domingo, a mensagem no Twitter "Don't let up. #PizzaGate EVERYWHERE" [Não descansem. #Pizzagate em todo lugar] foi replicada e ganhou centenas de curtidas.
"É como tentar eliminar um enxame de abelhas com um revólver", comparou Bryce Reh, diretor-geral da Comet, cuja mulher pediu que ele saísse do emprego devido às ameaças e mensagens vulgares que ambos receberam em suas contas em redes sociais.
Alefantis, artista nascido e criado em Washington, cofundou a Comet Ping Pong há dez anos como um lugar informal que serve pizzas assadas em forno de barro. O restaurante tem chamarizes para crianças, como mesas de pingue-pongue e sala de artesanato. Moradores famosos, como os membros da banda Fugazi, fazem pequenos shows no estabelecimento. Com capacidade para 120 pessoas, o local é uma mistura de toalhas xadrezes vermelhas e brancas com murais e pinturas modernistas feitos por amigos de Alefantis.
Alefantis tem bom relacionamento com outros cozinheiros de Washington, e sua pizzaria o ajudou a ficar em 49º lugar na lista das 50 pessoas mais influentes da cidade elaborada pela revista "GQ" em 2012. Sua clientela inclui eminências locais como Tony Podesta, irmão de John Podesta, que Alefantis conhece casualmente. Alefantis e Brock, o fundador de Media Matters for America, um site que rastreia cobertura de imprensa crítica aos Clinton e atua para desmascarar informações falsas na mídia conservadora, romperam o relacionamento há cinco anos.
A campanha de informações falsas começou quando a conta de e-mail de John Podesta foi invadida e seus e-mails foram publicados pelo WikiLeaks durante a campanha presidencial. Dias antes da eleição, usuários do painel de mensagens online 4Chan notaram que um dos e-mails vazados de Podesta continha uma troca de informações com Alefantis sobre um evento para angariar fundos para Hillary.
Imediatamente os usuários do 4Chan especularam sobre as ligações entre a Comet Ping Pong e o Partido Democrata. Alguns sugeriram que a pizzaria fazia parte de uma rede democrata de tráfico de crianças, uma teoria propagada há muito tempo por alguns blogs conservadores. Essa ideia se espalhou por outros serviços de mídia social como Twitter e Reddit, onde ganhou ímpeto na página "The_Donald". Uma nova linha de discussão no Reddit chamada "Pizzagate" atraiu rapidamente 20 mil assinantes.
Glen Caplin, ex-funcionário da campanha de Hillary, não comentou diretamente sobre a Comet Ping Pong, porém disse: "O WikiLeaks disseminou várias teorias da conspiração que têm sido independentemente desmascaradas". Podesta não respondeu a pedidos de comentários.
Logo surgiram dezenas de artigos com boatos em sites como Facebook, Planet Free Will e Living Resistance. Leitores partilharam as histórias na Arábia Saudita, Turquia e em sites de outros países.
Na semana passada, um apoiador da teoria do Pizzagate fez um vídeo ao vivo no interior da pizzaria durante um expediente noturno movimentado. A polícia local, que havia estacionado do outro lado da rua após Alefantis registrar queixa sobre as ameaças e reportagens com notícias falsas, mandou o homem sair.
O Departamento de Polícia Metropolitana do Distrito de Colúmbia declarou que estava monitorando a situação e está "ciente das ameaças gerais em curso contra esse estabelecimento". O FBI disse que "não confirma nem nega a existência de investigações".
A frustração de Alefantis, seus amigos e funcionários também aumenta devido à sua falta de recursos. O Yelp bloqueou as partes para comentários na página de resenhas sobre a Comet Ping Pong após receber comentários abusivos e notícias falsas nesses canais. O YouTube afirmou que proíbe ameaças, assédio e discursos de ódio, e que tem ferramentas para enfraquecer violações e registro de queixas para que o site tome providências, porém não bloqueou grande parte dos comentários nesses vídeos. O Twitter declinou de comentar e o Facebook não fez comentários adicionais.
Após funcionários e Alefantis reclamarem com o Reddit sobre como a Comet Ping Pong se tornou alvo no site, a linha de discussão #pizzagate postou um aviso de que é proibido revelar informações pessoais sobre indivíduos.
"Sabemos que teremos mais trabalho pela frente e assumimos nossa responsabilidade de coibir seriamente os abusos online", afirmou o Reddit em uma declaração.