Quatro barbeiros e um bombeiro estavam na barbearia Upper Cutz na semana passada, discutindo sobre seu futuro sob uma Presidência de Donald Trump.
"Precisamos ver como resolver essa situação", disse Cedric Fleming, um dos barbeiros. "Agora temos um gângster na Presidência" (aludindo ao presidente eleito Trump).
Darren Hauck/Getty Images/AFP | ||
Local de votação em Milwaukee durante a eleição presidencial nos EUA |
Eles admitiram que não podiam se queixar muito: apenas dois deles tinham votado. Mas ninguém se arrependia do que tinha feito.
"Eu não me arrependo", falou Fleming, enquanto aparava um bigode. "Milwaukee está farta. Os dois candidatos eram péssimos. Nunca fazem nada por nós, de qualquer maneira."
Enquanto os democratas examinam os destroços da campanha, uma lição ficou clara: a eleição foi notável tanto pelas pessoas que não compareceram às urnas quanto pelas que foram votar. Em todo o país, cerca de metade dos eleitores registrados não votaram.
VIRADA
O Wisconsin, um Estado que Hillary Clinton supunha que iria conquistar, historicamente possui um dos mais altos índices de participação dos eleitores; este ano, 68,3% de seus eleitores foram às urnas, o quinto melhor índice de participação entre os 50 Estados. Pelos padrões locais, porém, foi uma decepção, o índice mais baixo em 16 anos. E aquelas pessoas que não participaram tiveram peso importante. Trump venceu no Estado por apenas 27 mil votos.
Os bairros mais pobres de Milwaukee oferecem uma explicação desses números. Dos 15 distritos da cidade, a queda no comparecimento de eleitores às urnas verificada entre 2012 e 2016 nos cinco distritos mais pobres foi muito maior que a queda vista nos bairros mais prósperos, sendo responsável por metade do declínio total na cidade.
A maior queda foi vista aqui no Distrito 15, uma área composta de casas velhas de madeira, barracas de sanduíches e restaurantes de fast food, com população 84% negra. Nesse distrito, o comparecimento de eleitores às urnas caiu 19,5% em relação a 2012, segundo Neil Albrecht, diretor executivo da Comissão Eleitoral de Milwaukee. A área tem alguns dos moradores mais pobres da cidade e, segundo um documentário de 2015, "Milwaukee 53206", um dos mais altos índices nacionais de habitantes encarcerados.
AMARGURA
Na Upper Cutz, barbearia movimentada que ocupa uma casa de madeira com detalhes pintados de verde, as discussões sobre política sempre acabam voltando a um homem: Barack Obama. As eleições de Obama levaram muitos habitantes a interessar-se pela política nacional, algo que nunca antes acontecera. Mas suas vidas não melhoraram notavelmente, e hoje o clima é de amargura.
"Fomos à praia", comentou Maanaan Sabir, 38 anos, dono da casa de sucos Juice Kitchen, a algumas quadras de distância, recorrendo a uma metáfora para descrever a emoção das pessoas após a eleição de Obama. "E depois aconteceram oito anos."
Os quatro barbeiros votaram em Obama. Mas apenas dois deles se entusiasmaram o suficiente para ir votar desta vez. Mesmo assim, foi uma espécie de protesto. Um deles escreveu o nome de Bernie Sanders, o adversário democrata de Hillary Clinton, em sua cédula. O outro escreveu seu próprio nome.
"Estou paralisado", falou Jahn Toney, 45 anos, que votou em Sanders. Ele disse que nenhum presidente em toda sua vida fez qualquer coisa para melhorar a vida dos negros, nem mesmo Obama, em quem ele votou duas vezes. "Eu já devia ter sabido que isso aconteceria. Estamos em situação pior que antes."
Mas Obama realizou algo importante: "Ele deu aos negros alguma coisa à qual aspirar. Isso já vale muito. Fico feliz por meu filho ter podido ver um presidente negro."
ABSTENÇÃO
Albrecht, da comissão eleitoral, disse que há outros fatores que contribuíram para a queda no comparecimento dos eleitores. Esta foi a primeira eleição geral na qual as leis do Wisconsin exigiam que os eleitores exibissem um documento de identificação com foto e em que os novos eleitores encararam mais exigências para comprovar sua residência. Isso foi especialmente oneroso para pessoas pobres, que se mudam com frequência.
"Isso, para mim, é muito significativo", disse Albrecht. "Isso prejudica a justiça e integridade da eleição."
Dois tribunais distritais federais haviam decidido que a lei exigindo documento com foto discriminava contra os afro-americanos, uma parcela desproporcional dos quais não possui os documentos exigidos, mas a lei foi implementada no Dia da Eleição depois de um tribunal de recursos ter revogado uma das decisões. O governador Scott Walker, republicano que defendeu as leis, disse que elas não tiveram impacto sobre a participação dos eleitores. Albrecht reconheceu que seu efeito sobre o índice de comparecimento de eleitores em Milwaukee não teria anulado a vitória de Trump no Estado.
REJEIÇÃO
Possivelmente os maiores obstáculos ao comparecimento de eleitores às urnas em Milwaukee, assim como no resto do país, tenham sido os próprios candidatos. Para algumas pessoas, era como ter que optar entre brócolis ou fígado.
Poucos dos homens e mulheres entrevistados na rua West North na semana passada votaram em Trump, embora muitos tenham dito que o admiravam (porque ele diz o que pensa, porque é rico).
"Se eu tivesse votado, teria votado nele", disse o guarda de segurança Andre Frierson, 40 anos, que trabalhava no turno da noite no Jakes. "Do ponto de vista do trabalho, eu gostava dele."
Quanto a Hillary Clinton, ele opinou: "Outros países provavelmente não nos respeitariam se ela fosse eleita, porque teríamos uma mulher comandando o país".
Uma exceção foi Justin Babar, que votou em Trump como protesto contra Hillary. Babar atribuiu o fato de ter passado 20 anos na prisão às políticas do marido dela.
Quanto às acusações de racismo que acompanham Trump, Babar não estava tão preocupado. "É melhor isso do que ele sorrir para mim, mas então, a portas fechadas, votar contra nossos filhos", explicou.
Fleming estava tentando imaginar Trump como presidente.
"A Casa Branca vai ser a cobertura!", ele disse, opinando que Trump será como Al Pacino em "Scarface", com festas na mansão e animais exóticos vagando pelos jardins. "Se ele voltar para casa e descobrir que sua mulher o está traindo, pode simplesmente falar 'vamos lançar uma guerra!'."
Os barbeiros estavam rindo. Mas também estavam muito preocupados.
"Ele vai fazer alguma coisa para nos prejudicar em algum nível racista", falou Otis Jackson, 45 anos, um dos barbeiros que não votou. "Ele já nomeou um racista conhecido", aludindo a Stephen K. Bannon, o estrategista chefe de Trump e ex-diretor do Breitbart News, denunciado como site que dissemina um discurso de ódio e nacionalismo branco.
Com tantas pessoas tendo se sentado em sua cadeira ao longo dos anos, Fleming desenvolveu um tino aguçado para discernir o rumo que a sociedade está seguindo. No momento, porém, ele não sabe o que pensar.
"Foi uma eleição estranha", comentou, parecendo pensativo. "Não dá para saber o que as pessoas estavam pensando. Há menos carros nas ruas. Ninguém está querendo sair de casa. Ninguém sabe o que vem por aí. Nem mesmo Trump sabe."
Tradução de Clara Allain