Folha de S. Paulo


Rejeição de Trump a acordo comercial pode abrir espaço para ação da China

O desprezo do presidente eleito Donald Trump pela Parceria Transpacífico (TPP), acordo negociado por Barack Obama com 11 países e visto como forma de ampliar a influência americana no Pacífico, pode acabar empurrando os países da região para os braços da China, que acena com uma iniciativa própria.

Durante toda a campanha presidencial, o republicano prometeu deixar o TPP, que não teria conserto e seria um "sopro de morte" na manufatura americana, na avaliação do eleito.

Frente a incertezas sobre o futuro do bloco sem os Estados Unidos, países da região reunidos na cúpula da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico) em Lima, no fim de semana, mantiveram a rejeição ao protecionismo e já levantaram alternativas ao TPP, que exclui a China.

O governo Obama pretendia apresentar o acordo para votação no Congresso na chamada "lame duck session", período entre a eleição presidencial e a posse do novo presidente. Na visão da Casa Branca, havia cerca de 20% de chance de o acordo ser aprovado. Mas isso foi antes da inesperada eleição de Trump. Agora, a Casa Branca não vai pressionar pela votação da parceria econômica.

Para uma fonte do governo americano ouvida pela Folha, o TPP morreu e isso é péssima notícia, porque o TPP não trata apenas de comércio e sim representa uma guinada estratégica essencial para os EUA. Sem o TPP, o país está abrindo mão da Ásia, na avaliação do funcionário.

CAMINHO LIVRE

Com os americanos possivelmente abandonando o TPP, a China terá o caminho livre para desenvolver seu próprio acordo de livre comércio e influência na Ásia, a Parceria Regional Econômica Ampla (RCEP), em negociação entre 16 países -nenhum deles nas Américas até o momento.

Tan Jia, integrante da delegação chinesa na Apec, disse no final de semana que mais países agora buscam se agregar ao bloco capitaneado pela China, incluindo Peru e Chile -dois países incluídos nesta que é a terceira viagem do presidente Xi Jinping à América Latina desde que assumiu a Presidência chinesa, em 2013.

No encontro em Lima, Xi afirmou que negociações "fechadas e que excluem não são a escolha certa", algo que foi lido como uma crítica ao TPP de Obama. "A China não vai fechar as portas para o mundo exterior, mas se abrir mais", disse o chinês em seu discurso.

Mesmo com a eventual saída dos EUA, há países que ainda defendem perseguir o TPP, ou pelo menos uma versão dele. O premiê da Nova Zelândia, John Key, mencionou alterações cosméticas ou mudanças que tornassem o pacto menos ambicioso.

Há quem aposte, ainda, que a saída mais provável é que o acordo fique dormente por um tempo, até uma outra administração suceder a de Trump ou até que os Estados Unidos percebam que perderam terreno na Ásia e na América Latina para a China.

Evan Ellis, especialista nas relações da América Latina com a China e professor do Instituto de Estudos Estratégicos da US Army War College, diz que a China oferece como alternativa um grande acordo regional, que seria montado em cima da RCEP, "uma espécie de TPP light, que inclui a China na mesa de negociações -e pode não incluir os Estados Unidos".

"Nesse momento de incertezas, a China basicamente aparece na Apec e fala 'vamos fazer livre comércio do nosso jeito; precisamos resistir ao movimento do protecionismo e, se os EUA não querem participar, temos uma ideia de como gostaríamos de ser os bons moços'."

Mauricio Mesquita Moreira, economista-chefe da área de comércio e integração do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), diz que a provável morte do TPP é uma má notícia para os países da América Latina, porque reduz o poder de barganha dessas nações em acordos comerciais.

"Com o protecionismo os países do norte geopolítico, as portas fechadas para os EUA e UE, restam apenas acordos entre países em desenvolvimento e a China poderia se apresentar como a defensora do livre comércio", diz Moreira. Sem alternativas, os países da região ficam com menos cacife para arrancar concessões da China.

A China impõe inúmeros barreiras sobre as exportações da América Latina. "Com o norte fechado, vai ser difícil ser duro nessas negociações."

Além disso, a América Latina perde poder de fogo para pressionar a China a respeito das empresas estatais e incentivos que ferem a livre concorrência. "Isso estava contemplado no TPP, mas certamente não será incluído em um acordo com a participação da China."


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