Folha de S. Paulo


Cai o número de mexicanos que buscam os Estados Unidos

Apesar de colocar ênfase no combate à imigração ilegal vinda do México, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, não ofereceu um perfil preciso de quem entra hoje de forma ilícita no país e o porquê.

Estatísticas e origem daqueles que buscam abrigo no país do Norte são pouco conhecidos do americano médio, e muitas das declarações de Trump não conferem com dados oficiais, das Nações Unidas e de ONGs.

Jose Luis Gonzalez - 26.ago.2016/Reuters
Trabalhadores colocam cerca do lado americano da fronteira com o México, na região de Sunland Park
Trabalhadores colocam cerca do lado americano da fronteira com o México, na região de Sunland Park

Estudos recentes do Pew Research Center mostram que, apesar de representarem pouco mais da metade (52%) dos 11 milhões de indocumentados que vivem hoje nos EUA, os mexicanos vêm cruzando a fronteira cada vez menos.

Depois de alcançar um pico em 2007, a população de imigrantes ilegais vindos do país azteca vem caindo sensivelmente. Segundo o governo mexicano, isso se deve à melhoria econômica do país desde a implementação do Nafta (1994) e à criação de postos de emprego nos pólos industriais –que inclusive atraíram empresas norte-americanas– inaugurados nas regiões de Guanajuato, Aguascalientes e Querétaro.

DRAMA CENTRO-AMERICANO

Segundo o governo dos EUA, de 2015 para cá, houve um aumento de 23% da imigração ilegal, mas 91% dos que atravessaram a fronteira de modo ilícito vem, na verdade, do "Northern Triangle" (Triângulo do Norte), formado por Honduras, Guatemala e El Salvador.

Nestes três países, a violência causada pelas guerras entre gangues têm aumentado os níveis de homicídio na região. Hoje, o Triângulo do Norte é a região do mundo onde mais gente morre assassinada, depois de zonas que estão de fato em guerra, segundo a ONU.

El Salvador e Honduras vêm se revezando no posto de quem tem mais mortos por homicídio nas Américas, com taxas que vão de 90 a 110 assassinatos para cada 100 mil pessoas.

Outro estereótipo sobre a imigração ilegal aos EUA que não corresponde à realidade atual é que ela ocorre com indivíduos isolados indo em busca de trabalho, ou para engajar-se em atividades criminosas, para depois enviar remessas a seus familiares.

A coisa funcionava assim até os anos 90. Mas o que os novos levantamentos mostram é que os centro-americanos têm fugido de seus países em grupos familiares de quatro a quinze pessoas.

"Podemos chamar isso de uma verdadeira crise de refugiados, as pessoas vão para não voltar e porque não têm alternativas em casa", diz Perrine Leclerc, que comanda o escritório para refugiados das Nações Unidas na fronteira do México com a Guatemala.

Mas o que está por trás dessa epidemia de violência na América Central?

Entre 1980 e 1992, a Guerra Civil em El Salvador desestabilizou as economias da região, provocando altos índices de imigração. Uma vez nos EUA, e concentrados principalmente na Califórnia, muitos centro-americanos formaram gangues. As principais são hoje conhecidas como Mara Salvatrucha e Barrio-18 e o "look" inconfundível de seus integrantes são seus corpos inteiramente tomados por tatuagens.

De pequenas bandos, essas gangues se transformaram em facções criminosas. Durante a gestão Bill Clinton (1993-2001), foi realizada uma política de deportação de indivíduos com registros criminais e outros indocumentados.

"O que ocorreu foi que, de volta a seus países, as gangues em vez de se dissolverem, se fortaleceram. Afinal, seus integrantes chegaram a nações com economia débil, recém-saídas de conflitos, sem possibilidades de reintegra-los à sociedade. Então, o crime passou a ser uma das únicas opções", diz à Folha o jornalista e escritor salvadorenho Óscar Martínez, autor do livro "A History of Violence - Living and Dying in Central America" (ed. Verso).

As atividades dos dois bandos fundamenta-se na extorsão –calcula-se que mais de 70% dos comerciantes desses países pagam taxas a criminosos–, além da tributação ilegal do transporte de bens lícitos e ilícitos. Como El Salvador não é um país produtor de drogas, a atividade lucrativa é cobrar pelo uso de rotas de narcotráfico que atravessam suas fronteiras.

Durante os anos 00, as autoridades locais alternaram políticas de linha-dura a tréguas negociadas. Em 2014, a trégua mais exitosa até agora foi quebrada, e as duas gangues, hoje com mais de 80 mil membros nos três países, fora bandos associados a eles, voltaram a enfrentar-se, entre si e contra a força pública.

"É necessário que o novo governo dos EUA conheça bem esse histórico, porque é muito fácil vender a ideia de que a imigração ilegal é uma linha reta, e que basta colocar um muro que ela vai parar", diz Martínez. E completa: "Políticas de deportação em massa, como a que propõe Trump, e que em menor grau realizaram presidentes anteriores, como Clinton e Obama, podem ter efeitos nefastos, como essas taxas altíssimas de homicídios e o aumento de imigrantes ilegais."

TRÊS MILHÕES

Bandeira de sua campanha, o plano de deportação foi confirmado por Trump durante entrevista ao programa "60 Minutes". O presidente eleito disse que uma das primeiras atitudes será deportar os ilegais que tenham passagens pela polícia, que, segundo ele, chegariam a 3 milhões de pessoas.

O número, porém, não bate com o que o próprio governo dos EUA possui. Segundo dados oficiais, após as deportações da gestão Obama, restaram no país 1,9 milhão de imigrantes com registro criminal. E mesmo esse montante não é composto apenas de indocumentados, engloba também imigrantes legais ou em trânsito.

"Só deportar não adianta, assim como só encarcerar tampouco. É preciso uma ação conjunta dos governos e políticas de reintegração", diz Martínez.

OUTROS PAÍSES

A crise de violência na América Central é tão séria que os imigrantes desses países já não têm apenas os EUA como objetivo. Vêm se multiplicado os pedidos de asilo e a imigração ilegal a outros países.

De 2015 para cá, houve um aumento de 285% de pedidos de asilo por parte de refugiados do Triângulo do Norte para México, Belize, Nicarágua, Costa Rica e Panamá.

O governo mexicano lançou um programa para receber refugiados do conflito centro-americano, porém o fluxo de pedidos tem sido maior que o esperado e muitos foram recusados. As autoridades mexicanas, além disso, deportaram 177 mil centro-americanos que entraram no país de modo ilícito.

"Eu creio que, para ficar em bons termos com os EUA, o governo mexicano irá acirrar o controle e tentar fechar à força sua fronteira ao sul. Aí sim, creio que vamos ver a eclosão de muito mais violência", prognostica Martínez.


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