Folha de S. Paulo


Eleito, Trump adota ideia da rival de banco para investir em infraestrutura

Donald Trump passou a campanha atacando a plataforma de Hillary Clinton.

E, depois de eleito, ele se inspira numa proposta da democrata para "tornar a América grande novamente".

Enquanto Trump falava abstratamente em modernizar a infraestrutura, Hillary sugeria criar um banco de investimentos de US$ 275 bilhões para isso. O republicano agora não apenas defende a criação do banco, como aumenta seu capital.

Mark Ralston/AFP
Republican presidential nominee Donald Trump speaks as Democratic presidential nominee Hillary Clinton (R) looks on during the final presidential debate at the Thomas & Mack Center on the campus of the University of Las Vegas in Las Vegas, Nevada on October 19, 2016.
O republicano Donald Trump e a democrata Hillary Clinton no último debate da campanha

Steven Mnuchin, ex-presidente do Goldman Sachs e potencial candidato a secretário do Tesouro, declarou que a alternativa "ganhou um grande foco" para os primeiros cem dias da gestão.

Trump já obteve consenso bipartidário sobre a questão, feito que o tom conciliador de Obama poucas vezes conseguiu. A proposta agrada aos democratas, críticos ferrenhos do eleito. Avessos à intervenção do Estado na economia, os republicanos reforçam o coro a favor. Membros do Tea Party, ala radical do Partido Republicano, poderão resistir, mas o tema deve ter aceitação no Congresso.

O futuro líder da minoria no Senado, o democrata Chuck Schumer, afirmou que seu partido está pronto para colaborar em áreas de interesse comum. A senadora republicana Deb Fischer disse que já está trabalhando com a equipe de transição na concretização do banco.

Caso a versão americana do BNDES saia do papel, o disjuntivo Trump terá uma rara oportunidade de se vangloriar por unir os divididos. O objetivo imediato da proposta é superar a obsolescência das redes de transporte, escolas e hospitais.

Os Estados Unidos sofrem a deterioração da infraestrutura essencial ao desenvolvimento, avalia o professor da Unicamp e autor de "O Peso do Estado na Pátria do Mercado", Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes.

"O repasse de Estados a escolas, por exemplo, caiu verticalmente, levando à queda da qualidade e à alta tremenda das taxas cobradas aos estudantes."

Outro propósito da reforma da infraestrutura é gerar os "milhões" de empregos prometidos aos eleitores nas zonas operárias empobrecidas do país.

MODELO AMERICANO

A fórmula de financiamento difere do modelo brasileiro, porque o dinheiro não sai diretamente dos cofres públicos. Nos EUA, empreiteiras e Estados fazem as obras, cabendo ao poder federal garantir os empréstimos tomados pelas parcerias público-privadas no mercado.

O lastro federal reduz os custos de captação de recursos pelas construtoras, mas transfere o maior risco ao governo em Washington. Em caso de inadimplência, os credores mandam a conta para a Casa Branca.

Moraes diz que, apesar da visão difundida de que os EUA são o país do mercado e do não-Estado, há uma tradição de envolvimento do governo federal no bombeamento da economia.

"A expansão para o Oeste [no final do século 18], com o estímulo a ferrovias e escolas e doação de terras, é um exemplo claro. O 'New Deal' [programa antirrecessão do democrata Franklin D. Roosevelt nos anos 1930] transformou isso numa política assumida. Verdade que, muitas vezes, a intervenção estatal é vendida como subproduto de outra política, a de segurança. É o que alguns chamam de politica industrial à moda americana", afirmou Moraes.

O plano de Trump inclui outras formas de incentivo público ao setor privado, como isenções de impostos equivalentes a 82% do montante captado pelas empreiteiras. A desoneração, segundo a equipe de transição, será compensada com a arrecadação fiscal gerada pelos salários dos trabalhadores contratados.

Na campanha, Trump também defendeu impostos sobre repatriação de recursos de empresas americanas no exterior para aplicar em infraestrutura.

Uma espécie de "New Deal" moderno, recuperando lucros em paraísos fiscais. O apoio bipartidário ao peso do Estado nesse caso é menos provável.


Endereço da página: